1. Princesa Mira Bai. 2. Breve observação sobre a Bhagavad Gita e o Mahabharata.

07/01/2015 20:43
 
(..)
 
"Indestrutível, Ó Senhor,
é o amor
que me une a Ti.
 
Como um diamante,
que quebra o martelo que o atinge.
 
Meu coração vai para ti
Como o lustre vai para o ouro.
 
Como o lótus vive em suas águas,
Eu vivo em Ti.
 
Como o pássaro que olha a noite toda
para a lua passageira
 
Perdi a mim mesma 
habitando em Ti.
 
Ó meu amado...
Volte..."

(...)

 

 

A princesa Mira Bai (1498-1547) nasceu no Rajasthan, no povoado de Kurki (Mertha), província de Chaukari. Se conta que, aos 5 anos de idade, Mira Bai viu passar um procissão de casamento junto à residência de sua família e perguntou à sua mãe: “Mãe onde está meu noivo?”. Sua mãe respondeu apontando para uma imagem de Krishna que se encontrava próxima. Desde então Mira Bai afeiçoou-se profundamente a Krishna.
 
 
 
O mais antigo relato biográfico sobre a santa é um comentário vaishanava de Priya Das na obra Sri Bhaktammal de Nabha Das, datada de 1712; contudo, muitos relatos acerca de Mira são oriundos de tradição oral.
 
 
Aos 8 anos sua mãe faleceu. Aos 12 anos, conforme o costume local, sua família a casou com o príncipe Bhoj Raj do estado de Chittor, então um dos mais poderosos da Índia (outra tradição fala da idade de 16 anos, [*]). O coração de Mira Bai, porém, não desviava do amor a Krishna e ela não quis aceitar nenhum presente de casamento; durante as cerimônias carregou o tempo todo a imagem de seu Senhor.
 
 

[nota: Não consegui apurar a data efetiva do casamento de Mira Bai com Bhoj Raj. Ambas as informações podem ser encontradas nas biografias disponíveis sobre ela sem mais esclarecimentos; certo é que, como os casamentos na Índia eram arranjos familiares, - e, nalguns casos, com consultas a astrólogos bem como a algum rishi/sábio ou pessoa santa -, não é improvável que ambas as informações estejam corretas e Mira se deslocou para a côrte, a fim de cumprir  o papel efetivo de esposa, somente aos 16 anos...]

 

 

Aos olhos materiais, o amor de Mira Bai por Krishna poderia parecer exagero ou até mesmo demência (no caso, a loucura divina) bem como o tempo dispendido com sua devoção; Mira Bai compunha canções para Krishna e se ajuntava com os devotos para a adoração, sem preocupação com regras de casta tampouco de realeza. A dedicação a seu amor custou-lhe invejas, dissabores e difamações. Sua cunhada, por exemplo, acusou-a de, ao invés da prática devocional a Krishna, estar Mira Bai ocupada em entreter-se com os devotos masculinos, na ausência de seu marido.
 
 
A família de Bhoj Raj tinha Durga devi por deidade principal. E a de Mira Bai, Krishna. Os familiares de Bhoj Raj, no intuito de afligí-la, pressionaram Mira Bai para que ela adotasse a mesma posição, mas Mira manteve-se impassível no louvor/adoração a Krishna. Tal episódio denota algum rancor ou inveja dos familiares de Bhoj Raj, uma vez que tanto Krishna quanto Durga protegem os guerreiros e, com base no Mahabharata e nos Puranas, não há relação de oposição, incompatibilidade ou inimizade entre Krishna e Durga, pelo contrário. Perceba o leitor a anotação de Mira Bai no bhajan abaixo:

 

 

Amigo, não posso viver sem Harí.
Minha sogra me insulta
sua filha me humilha.
 
Quando o príncipe ferve de cólera
sou feita prisioneira
e mantida trancada num aposento
 
Como posso entregar nosso amor ancestral?
Amor que nasceu em tempos anteriores.
 
O Senhor de Mira é Girdhar Nagar [Krishna]
Ninguém mais pode alcançar
seu coração...
 

 

 

Um episódio significativo da carreira de Mira Bai consiste da visita que lhe fez o imperador mongol Akbar [*], o qual era muçulmano. Pois, em uma ocasião, o imperador Akbar e seu músico Tansen, ambos muçulmanos, se disfarçaram em andarilhos e deslocaram-se a Chittor, então estado inimigo, com o intuito de assistirem incógnitos os prodígios que Krishna operava através de Mira Bai [**]. Em decorrência de combates na região norte, correspondente ao Afeganistão, os mongóis haviam matado o pai de Mira Bai e mais tarde, também, seu sogro. Chegaram Akbar e Tansen, à noite, ao local onde Mira Bai costumava ter suas experiências espirituais diante da imagem de Krishna e se misturaram com os demais devotos que lá estavam reunidos.

 

 

[notas: 
*  se aventa que Akbar tratou-se de muçulmano vinculado ao Sufismo... 
** "Bhajans" referem-se aos versos que Mira compunha entoados como canções; os versos em si são chamadados "padavali"; com efeito Mira Bai realizou Seva/serviço espiritual voluntário para o louvor a Krishna no templo de Girdhar Nagar/"Aquele que remove as montanhas", sendo designada para os cânticos. Conforme Mira Bai entoava os bhajans, entrava em êxtase e dançava; e, então, segundo os relatos indianos, a imagem de Krishna costumava corporificar-se e acompanhá-la na dança. ]

 

 

O que viram lhes causou profunda impressão e quando já todos se retiravam, o imperador Akbar, ainda disfarçado, implorou a Mira Bai que aceitasse um presente seu que havia sido dedicado ante a imagem de Krishna, a saber: um colar de pedras preciosas. Mira Bai aceitou somente por amor a seu Senhor e, ao despedirem-se, o imperador Akbar inclinou a cabeça até o chão e beijou-lhe os pés.
 
 
Todavia, dias depois se soube a notícia de que Akbar, um muçulmano, esteve disfarçado em Chittor e havia tocado os pés de Mira, uma princesa hindú, notícia que teve um efeito negativo em sua família. Para seu esposo, príncipe Bhoj Raj, aquilo se tratava de uma ocorrência extremamente desagradável para ele e sua dinastia - em vista do andamento da guerra entre o estado hindú e o mongol. Tanto Mira Bai como Bhoj Raj eram de uma linhagem seleta de kshátriyas (casta real/guerreira) na Índia e a honra da dinastia se via como que manchada pela visita incógnita - e considerada insultuosa - de Akbar. Tomado de repulsa e escândalo, Bhoj Raj dirigiu-se taxativamente a Mira: “Encontra algum rio e afoga-te nele!”. Mira Bai obedeceu à petição de Bhoj Raj; dirigindo-se a um rio atirou-se no mesmo, entretanto uma mão impediu que ela se afogasse. Era seu Amado quem a havia protegido. Krishna, no coração de Mira Bai, lhe ordenou que abandonasse aos seus e se deslocasse a Brindaban, povoado no qual Ele havia nascido cinco mil anos atrás e lugar de peregrinação de muitos devotos vaishnavas. E assim Mira Bai o fez, sob os auspícios de Krishna, sendo bem acolhida por onde passava. Deteu-se algum tempo em Brindaban e, após, deslocou-se a Benares (Varanasi) onde permaneceu até o dia em que reencontrou-se com Bhoj Raj o qual, vestido de peregrino, veio implorar seu perdão e suplicar que retornasse com ele ao palácio. Mira acedeu e retornou com Bhoj Raj a Chittor.
 
 
Entretanto, decorrido pouco tempo do retorno, o príncipe Bhoj Raj veio a falecer em combates com os mongóis, e o trono a ser ocupado por seu irmão. Mira Bai contava, então, vinte e cinco anos de idade. Rana Sanga, pai de Bhoj Raj, viu na cremação de seu filho a ocasião para se ver livre de Mira Bai; ordenou-lhe que cumprisse “Sati” (quando a viúva adentra viva a pira crematória na qual jaz o corpo do marido, costume não prescrito no Hinduísmo mas que estava em voga na região do Rajasthan). Mira Bai recusou-se, explicando a Rana Sanga e aos presentes que seu marido verdadeiro era Krishna, o qual é eterno. Tal episódio foi registrado por Mira Bai num de seus bhajans:
 
 
“Não cometerei Sati
pois cantarei as canções de Girdhar [Krishna]
eu não me tornarei Sati
porque meu coração é enamorado de Harí.”
 

 

 

[nota: Mira Bai, nessa passagem, já de há muito era santa. Quando Bhoj Raj, enojado com o descobrimento da visita de Akbar, ordenou-lhe que se atirasse ao rio, ela assim o fez. A intenção de Rana Sanga, entretanto, não era verdadeira ao requisitar-lhe que cumprisse Sati, uma vez que o que desejava realmente era apenas livrar-se de Mira, sendo a requisição de cometer Sati apenas um pretexto/oportunidade. Daí a recusa de Mira Bai, baseada na eternidade de Krishna, seu verdadeiro amor, amigo e esposo, empurrando para longe/repelindo a exigência do cumprimento de uma tradição não apenas não constante das prescrições do Hinduísmo - tal prática porém existia, por exemplo, no Rajasthan de Mira Bai - mas ainda baseada em uma falsidade...
 
Episódios de Sati constam no Mahabharata e nos Puranas - a rainha Madri (Mahabharata livro 1, capítulo 125) e/ou a própria rainha Sati (Padma Purana capítulo 2, Skanda Purana capítulo 4, Shiva Purana/Rudra Samhita cap. 5). No Mahabharata, a decisão da rainha Madri em ser cremada viva com o rei Pandú foi baseada numa certeza interior inabalável; já a decisão da rainha Sati, nos Puranas, está ainda mais longe do plano humano comum e baseou-se num amor verdadeiro, numa certeza interior/espiritual e na decisão própria de uma deusa (e, todavia, Shiva vivia - não havia se retirado a nenhum lugar ignoto ou diferenciado - quando Sati se auto-imolou); eventualmente teríamos Satis em decorrência de amores/uniões conjugais consistentes em uma ligação profunda entre os cônjuges, acarretando a separação de corpos em perda pessoal inconsolável e incontornável - hodiernamente, mesmo numa sociedade secularizada como a nossa, casos há em que o cônjuge remanescente quereria ter ido embora também. O que ultrapassar isto não é nem pode ser Sati (indução familiar, pressão comunitária, alegação de costume infundido na tradição, etc.). Sati é voluntário e, também, espontâneo, como no caso da rainha Madri - ninguém solicitou ou pressionou a rainha Madri para que se imolasse na pira com o rei Pandú (e, afinal, por que a rainha Kunti, segunda esposa do rei Pandú, não cometeu Sati também? Tanto Madri como Kunti amavam os filhos - razão suficiente para prosseguir. A continuidade do Mahabharata ficaria comprometida, não seria a mesma  sem a rainha Kunti...). Não há no Hinduísmo prescrição para as mulheres cometerem suicídio - ou auto-imolarem-se - em decorrência do falecimento de seus maridos, mas sim que lhes sejam fiéis ainda em meio a circunstâncias adversas ou difíceis e ainda sob risco da própria vida (Manavadharmashastra, cap. 5). Muitas mulheres hindús - parte delas oriundas do Rajasthan - cometeram Sati; dentre essas, - e embora isto possa parecer inaceitável, repulsivo ou abominável do ponto de vista da nossa cultura - as que o fizeram livremente, espontaneamente e com alguma certeza interior em suas almas, tais são Sati, na linha das rainhas Madri e Sati. No Rajasthan e regiões onde o costume de Sati é observado, as viúvas que não o cumpriram foram vistas como mulheres fracas, de pouco caráter e honra, de limitada qualidade interior e tratadas com algum ou muito desdém - daí se afirmar que nalgumas comunidades da Índia as viúvas sejam vistas como um fardo. Mira Bai abriu um caminho de livramento ao menos para uma parte das viúvas do Rajasthan... 
 
Culturalmente a prática de Sati cutuca os nossos sentimentos ocidentais: eu, por exemplo, tento me por na pele de uma família hindú oriunda de uma comunidade onde o costume de Sati ainda é forte e observado e penso o que eu faria. Acho que eu conversaria com a minha esposa e pediria para ela fazer o que ela sentisse no seu interior, não aceitando nenhuma pressão externa; explicaria que o Manava Dharma Shastra não exige Sati, que não  consta no Mahabharata, por exemplo, que alguma das esposas de Krishna cometeu Sati quando  ele foi morto,  e que ela precisaria ter a mesma certeza interior/espiritual das rainhas Madri e Sati para também fazer o mesmo; diria para ela que eu não aceito uma Sati que "não venha para a minha fogueira sem ser por vontade própria e sem uma certeza interior do ato, acerca do qual, uma vez perpetrada a cremação,  a devolução nesta vida não é mais possível";  até porque, diria eu, não podemos nem devemos esquecer que, numa união onde existem crianças e/ou onde há engajamento aprofundado com o Sanatana Dharma, talvez fossem mais adequadas as posições da rainha Kunti e de Mira Bai: acompanhar o desenvolvimento dos filhos (rainha Kunti) e dedicar-se ao Sanatana Dharma (Kunti/Mira)...]
 

 

Estando na côrte, as invejas e os ressentimentos voltaram a ganhar corpo contra ela, a qual, a seu turno, buscava proteção em Krishna. Foi oferecida a Mira Bai uma taça contendo veneno informando tratar-se de néctar; confiada em Krishna, Mira Bai bebeu o líquido o qual não lhe fez mal algum e possuía sabor de um néctar. Em outra ocasião lhe foi preparada, secretamente, uma nova cama para dormir todavia com cravos no estrado. Mira Bai dormiu sem sentir dor alguma nem apresentar qualquer ferimento.

 

 

Mira Bai foi tomar conselho com Tulsidas - autor da versão moderna do Ramayana -, e decidiu partir, desta vez em segredo, para Benares (Varanasi), abandonando finalmente o palácio. Em Benares conheceu seu guru Sri Raidas, quem lhe revelou a Jñana Marga. A Bhakti Marga (Via do Amor) se complementa e é coroada pela Jnana Marga (Via do Conhecimento). Eis o trajeto de Mira Bai, a qual, sendo já santa e grandississimamente abençoada por experiências espirituais pessoais com Krishna, esteve também aos pés de um autêntico guru de seu tempo.
 
 
Mira Bai, após cumprir seus dias como discípula de Sri Raidas, regressou mais uma vez ao convívio com os devotos em Benares. Reunida com os fiéis se pôs a cantar seus bhajans e a dançar para Krishna, como já havia feito tantas vezes. Segundo os hindús, nesta última noite em Benares, Mira Bai foi, diante dos devotos, absorvida por Krishna...
 
 
 
 
 
 
 
 
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                                                                                       (...) 

 
 
Este amor errante
é a raiz de todo o sofrimento
 
Quando vem cortejar-me
diz coisas que logo esquece,
facilmente...
 
Colher uma flor
ou romper uma promessa
tardam o mesmo tempo...
 
Quando tu estás ausente
há um espinho
em meu coração...
 
 
(...)
 
 
O amor me enlouquece
ninguém conhece o meu sofrimento...
 
Somente a que está ferida
a que alimenta um fogo em seu coração
sabe o que esta agonia significa...
 
Somente o joalheiro
ou aquele que perdeu uma jóia
conhecem o valor real de uma gema...
 
Atormentada,
vou errando de porta em porta
em busca de um curandeiro
Mas não posso encontrar nenhum...
 
Minha dor só desaparecerá
quando Shyam [Krishna] voltar...
 

[nota: comparar este bhajan e o próximo com o Cântico dos Cânticos de Salomão, por exemplo com versos do capítulo 5: conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que se encontrardes o meu Amado, fazei-o saber que estou enferma de amor...]

 

(...)
 
Como receberei a meu Senhor?
Veio a meu jardim e se foi...
Desde então o perdi...
E agora sempre o espero...
 
Hari veio e se foi
enquanto eu, mulher desafortunada
não estava alerta.
 
Agora minha alma não tem descanso
atada à roda de fogo [do amor]
 
 
Mira é a escrava;
Girdhar é seu senhor.
Tais amantes não podem nunca ser separados...
 
 
(…)
 
 
Despertaste meu anelo por Ti
onde posso escapar-te agora?
 
Em tua ausência não encontro paz
Sofro e perco meus dias...
 
Por Ti renunciarei ao mundo
e adotarei a rota dos peregrinos.
 
 
Meu Senhor
para sempre serei uma escrava
aos teus pés de lótus...
 
(…)
 
 
Vê amigo meu
Harí endureceu seu coração.
 
Prometeu-me que viria
mas tem me abandonado...
 
Em sua espera tenho perdido 
a fome e os sentidos...
 
Como hei de sobreviver?
 
Pois escolhi suas promessas
contra as do mundo tangível....
 
Por que agora me desdenha?
 
Escuta-me Girdhar:
o amor tem ferido meu coração!
 
(…)
 
Mãe
Dinanath [Krishna] o esposo dos humildes
me tem feito sua noiva.
 
 
56 milhões de devas [seres celestiais]
vieram no séquito de Krishna
o noivo...
 
 
Sonhei com uma grinalda 
de folhas de manga...
 
 
Sonhei que Ele sustinha mão
e juntos dançávamos 
ao redor da fogueira...
 
Sonhei uma felicidade imortal...
 
Mira ganhou a Girdhar:

o prêmio a seu amor ancestral...                                                                                              

               

 

[nota final: há em português, a pequena obra "O amor chegou com as chuvas" de Mira Bai, tradução de Jorge Sousa Braga do trabalho inglês de A.J. Alston ("Devotional poems of Mira Bai"), 2009, 64 páginas, Editora Assírio & Alvim/Portugal. Eu não sou um literário - como expliquei no post sobre Hafiz, prefiro, ao menos,  tentar me aproximar do espírito dos poemas místicos, daquilo que eles indicam, e não arriscar reduzí-los na tentativa de dar explicações racionais, as quais acabam por formar uma "cortina"  e, destarte, uma distância - nessa obra o tradutor observa a linha literária (normal, até por se tratar de um contrato profissional)... Algumas explanações dadas na livro sobre Mira Bai procuram ser razoáveis outras têm fundamento (a relação de Mira Bai com o guru, se tornando não apenas discípula mas, muito provavelmente, yogini - cabendo na relação yogi/yogini a mesma relação de Krishna com sua esposa Radha, sendo o guru realizado não muito mais que o reflexo do próprio Krishna ou ainda totalmente permeado por Ele). Eu prefiro verificar como a Bhakti Marga se desenvolve  e não alterá-la...  não altero também nenhum arroubo ou arrebatamento interior contido nas canções místicas no sentido de tentar, com as alterações, fazer os cânticos parecerem, de algum modo, "respeitáveis" ou ainda sóbrios/razoáveis a alguma leitura mais cética - o que não quer dizer que eu - ou outras pessoas nas tradições espirituais - sejamos meramente crédulos. 
 
Num aspecto importante entendo os céticos: o desafio das tradições espirituais é formar espiritualidades vivas - sem isto, 
1) o que corrobora que as nossas escrituras e tratados metafísicos são realmente verdadeiros? 
2) têm realmente validade? 
3) fazem nossa cultura tradicional valer a pena?... 
 
 
Se, todavia, os tratados e escrituras das tradições espirituais são verdadeiros, há um elemento de equívocom de falta de verificação e/ou de falsidade no ceticismo. Eu, por exemplo, sou budista, então, por estudar o Buddhadharma, o nihilismo já não me interessa ("Não há fruto/resultado das obras boas nem más; nem há mundo do além..."... segundo o Buddha Shakyamuni, no Majjhima Nikaya 41, v. 10 e 14/Saleyyakka sutta e tb. Digha Nikaya 23/Payasi sutta - bem como Nagarjuna na Ratnamala/Grinalda Preciosa v. 21 e 144 -   essa posição é nihilista e inviabilizadora do necessário para a ascese interior/espiritual  - e interação com os estados superiores - e para o despontar da Iluminação; e a perseverança nessa posição é conduzente aos estados inferiores). 
 
Nas tradições espirituais há êxitos... mas há também fracassos (e os fracassos são feios de se olhar e trabalhosos de se conviver); há acertos mas há, também, desvios comprometedores, os quais podem constituir-se em misérias e doenças... por fim, o estudo e a ética são necessários mas há a necessidade de desenvolvimento da prática ...]
 
 
 
 
 
 

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ADENDO:  Breve observação sobre a Bhagavad Gita e o Mahabharata de Krishna Dwaipayana-Vyasa.
 
 
 
 
A Bhagavad Gita é considerada a essência do Mahabharata, pois dela constam, em cada um de seus 18 curtos capítulos, um ensinamento sapiencial (Karma yoga, Samkhya Yoga, Jnana Yoga, Dhyana Yoga, Moksha Samnyasa Yoga, etc.).
 
 
Dos estudos/leituras mais enriquecedores, edificantes e gratificantes que me dispus a efetuar, sem dúvida merece nota honrosa o Mahabharata - obra monumental de Krishna Dwaipayana-Vyasa -, estudo que, inclusive, me trouxe uma fixação melhor da Bhagavad Gita, de alguns Puranas e do Manava Dharma Shastra [*]. Num momento em que meus estudos estavam ainda incipientes, o Mahabharata me trouxe um endereçamento, um guiamento melhor em relação ao Hinduísmo. Pessoalmente, e embora concorde que a Bhagavad Gita seja a essência do Mahabharata, não recomendo a ninguém deixar de verificar a obra completa. 
 
 
[nota: o Mahabharata traz não apenas os eventos envolvendo Krishna e a Bhagavad Gita, e Hastinapura, as famílias dos Pandavas e Kauravas e a guerra em Kurukshetra: há uma série de histórias e ensinamentos paralelos, agregados ao tema prncipal que não apenas encorpam a obra mas ampliam a compreensão do leitor em relação a aspectos importantes do Hinduísmo... ]
 
 

Quem estiver como eu, - precisando nalguns momentos que o dia tivesse 36 horas ou dormindo menos para que a organização diária não vire uma bagunça e possa incluir algum estudo/leitura em sua rotina de atividades – tirem algumas poucas horas e experimentem o filme “the Mahabharata”, de Jean Claude Carriére  (autor do livro equivalente, publicado no Brasil pela Editora Brasiliense) e Peter Brook, em três dvds, produção européia que eu não desmereço, e que contou, no cast, com atores europeus, africanos e asiáticos (não sei por que motivo, mas, independentemente de qual seja, o fato é que o Mahabharata se trata da “história poética da humanidade” e acabou dando certo ter gente de todo o lugar e etnia).

 

 

Peço, contudo, a compreensão do leitor uma vez que, realmente, não sou crítico de cinema nem é o cinema a minha área. Dou aqui apenas as minhas impressões pessoais: não se trata o filme de Carriere e Brook de nenhuma superprodução e, inclusive, obviamente por questões de dinheiro, foi omitido o episódio da “Casa de Cêra” bem como a presença de alguns personagens como Kripa (também filho de Vyasa, irmão dos reis Pandu e Dhritarashtra) e Vidura; a trama poderia ter sido filmada em, pelo menos, quatro dvds.  Nakula e Sahadeva (irmãos de Arjuna, Bhima e Yudhishthira) tiveram participação minimal/discreta; também onde houve necessidade de efeitos especiais os mesmos são adaptações singelas, mesmo simplórias. Mas a História Poética da Humanidade de Vyasa é tão profunda e poderosa, com momentos dramáticos - o sofrimento da rainha Draupadi, da rainha Kunti, a dor de Karna, a necessidade dos Pandavas de se valerem da astúcia - e não apenas do heroísmo - em algumas etapas do combate -, que faz o filme valer a pena. Ao final, é realmente possível sentir um pouco da força do Mahabharata nesse trabalho... 

 

 

 

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