Mandarava. (revisado em 24/08/2016)

21/03/2016 18:34

Recebi uma crítica por algumas colocações minhas no post “Budismo Moderno. Igreja. Tantra – alguma consideração.”.

 

Especificamente, pelas seguintes linhas, na nota sobre o Tantra:

 

Nos EUA, a "Mandarava", sra. Catherine Burroughs/Ahkon Lhamo, frequenta salões de beleza (nada em contra da minha parte - apenas que a preocupação excessiva com aparência e detalhes exteriores pode não ser, realmente, muito búdica), vive sentada num trono, tem namorados e namoradas, e ainda perturba a sangha com sua falta de temperança.

 

A verdadeira Mandarava, entretanto, vivia de esmolas, em condição itinerante e sem-teto com o Buddha Padma Sambhava, praticava maithuna(cópula tântrica) com ele em campos de cremação e não defendia, em relação ao Buddhadharma, teorias anti-tradicionais - eis a verdadeira Vajra Varahi budista - e o Buddha Padma Sambhava foi seu Hayagriva.”.[*]

 

[nota: pois, no convívio com o Buddha Padma Sambhava, Mandarava sacrificou, justamente, as possibilidades temporais quanto às coisas desta vida para engajar-se na via tântrica itinerante, a mais difícil de ser, ao menos no seu início, percorrida.

Hayagriva, tanto no contexto hindú quanto no contexto budista, implica o posicionamento pelo Sacríficio/Auto-sacrifício em prol de causas nobres – nobres efetivamente: em prol do Dharma, das Elevações e da Iluminação e em prol do bem efetivo dos seres sencientes; e não nominalmente (nos casos meramente nominais, o que temos, via de regra, trata-se de sacrifício de bodes expiatórios – na acepção aflitiva do termo “bode expiatório”, qual seja: vítimas infelizes - em prol de causas egoístas, doentias ou miseráveis)...]

 

 

Essa observação foi considerada minimal – não por trazer informações falsas, mas antes, por trazer poucas informações e, dessarte, soando despreocupada demais ou mesmo inconsequente.

 

Outra pessoa não gosta das colocações tradicionalistas nem da defesa - num blog tradicionalista - das posições tradicionais, preferindo os rumos e visões do modernismo/pós-modernismo - e me chamou de 'pseudo-intelectual', além de 'atrasado' e 'fanático' (tendo em vista minha preferência e adesão à visão tradicional).

 

Outro, por não concordar com a caraterística artesanal deste blog - a qual já justifiquei algumas vezes: realmente, reconheço que precisei de amigos e alguns leitores para, efetivamente, trazer os posts à sua forma definitiva; nesse aspecto, saíram ganhando eu, que estou revisando meus estudos, mas, também, os leitores. Não concordou, também, com minha conclusão sobre a situação, comprometida a meu ver, do Ocidente:

NÃO se alcançam e/ou não se preservam validades (validades = elevações interiores/verdades referentes às mesmas) sem a observação efetiva, na prática, de valores éticos.

 

Se referiu a mim como "shudra" (classe operária) e "mendigo" - na verdade, por "mendigo" quis dizer "simplório" - e, na comparação com o Hinduísmo, "pária".

Se nos remetermos ao Bhagavata Purana, 12,3:38, nesse aspecto, não sou, nem mesmo, um "palhaço", mas um reles farsante falando sobre o Sanatana Dharma e o Buddhadharma, sem, ao menos, compreender, efetivamente, sobre o que está falando.

De minha parte, por enquanto, permaneço sobrevivendo com meus próprios meios e procurando honrar compromissos materiais.

 

"... Aqueles que nada sabem sobre religião, farão altos assentos e presumirão discorrer sobre princípios religiosos...". Bhagavata Purana 12, 3:38 - (sintomas do Kali yuga).

 

Neste aspecto, deixo a minha observação, também:

 

"... Uma pessoa será considerada profana se ela não tiver dinheiro e a hipocrisia será aceita como virtude...". - Bhagavata Purana 12, 2:25 - (sintomas do Kali yuga).

 

Em relação a Ahkon Lhamo (Sra. Catherine Burroughs – ou Alyce Louise Zeoli), como o post ficou um pouco extenso, preferi realmente, apenas, aventar a questão, sem adentrar em mais detalhes.

Mas, aceitando a crítica que me foi feita - “ele não tem muito conhecimento”,postei novamente, com alguns detalhes, essa causa.

 

Cumpre informar que nunca me arroguei aqui ter conhecimentos vastos – e a vastidão é um situação de fato quanto aos documentos tradicionais hindo-budistas. Porém, digo-o, sincera e honestamente: busco o Conhecimento metafísico verdadeiro, através das grandes tradições espirituais, como isto me é possível.

 

Estou revisando e buscando ampliar minhas próprias acumulações de conhecimento - muitas leituras minhas têm mais de vinte anos e foram interrompidas por cerca de oito anos.

 

E a questão comigo é justamente essa interrupção: no ínterim da mesma, alguma exatidão – e mesmo algumas leituras anotadas - acabaram por se perder ou tornaram-se, conquanto assimiladas interiormente, um resultado informe. [*]

 

[nota: a pessoa que me chamou de “shudra” (classe operária), e, assim, candidato a ser reputado como "desprezível" - em vista, inclusive, da ausência de uma condição material necessária para exercer adequadamente estudos sérios, do ponto de vista de uma erudição – não está, no todo, equivocada.

 

Há uns doze anos atrás, minha situação material era melhor e mais confortável e, assim, os estudos fluíam com uma firme regularidade.

 

No hoje, depois de alguns processos pessoais difíceis - kármicos, diria eu, e acerca dos quais poderia tê-los resolvido de um modo melhor, se o nível ético daquilo que estava ao meu redor não fosse tão baixo, comprometido ou, nalguns casos, inexistente - diria que, como muitos brasileiros, tenho que “matar um leão por dia” (e mesmo assim, por gostar do que faço na minha possibilidade sem preocupações materiais, espero a geladeira começar a ficar vazia para me preocupar em correr demais para “matar” o pobre leão).

 

Precisando "matar o leão", o tempo ficou curto, precioso e tendo de ser dividido com outras atividades – como a Prática Espiritual.

 

No final, minha primeira acumulação de estudos – quanto às grandes tradições espirituais - reverte a favor dos estudos que empreendo hoje: na prática, em muitos casos, preciso apenas verificar o estágio atual de alguns debates, fazer algumas consultas e verificações, atualizando a acumulação total de estudos.

 

No hoje, tenho que selecionar melhor, ser mais específico naquilo que desejo prosseguir, ainda, estudando; e focar no que poderá ser útil para a minha construção pessoal, interiormente.

 

Gostaria de dominar o Kanjur e o Tanjur, mas isto se reverteria apenas em erudição, na ausência e pendência das sadhanas (as quais exigem tempo, zêlo e regularidade).

Então, vamos em frente no que é possível e benigno...]

 

 

Assim, uma revisão se faz necessária - e para auxiliar nesta finalidade, decidi escrever o blog – sendo que tenho me esforçado, também, em melhorar o estilo das minhas redações (já que, para disponibilização aberta ao público em geral, nunca havia escrito nada; e parte dos leitores que são meus amigos e me ajudam com o blog, também eles, estão sobrecarregados com mulheres e crianças – ou, ainda, maridos e crianças - e com pouco tempo livre para envidar estudos novos ou revisar o que eles já possuem).

 

Quanto a eu ser um pseudo-intelectual, já mencionei aqui que desisti, na minha época, da cursar Filosofia na USP; tenho algumas leituras de filósofos sérios, mas não posso dizer que se tratem as mesmas de estudos aprofundados - antes, o suficiente para não ser um leigo integral. E com a desistência da USP, não tentei outra coisa, mas me desloquei para a área técnica (Edificações – decisão de que me arrependi, no quarto ano do curso).

 

Desistindo da Filosofia (não desistiria hoje) e me concentrando nas grandes tradições espirituais, não posso dizer que eu seja, sequer, um intelectual - ou que tenha essa pretensão.

 

Se, porém, eu mesmo não me apresento, não me considero e não tenho a pretensão de ser um intelectual – como o padre Bernard Lonergan, por exemplo – ora, e quanto mais, sem enveredar por essa rota, seria um “pseudo-intelectual” (título digno dos pretensiosos - mas dotados de pouca habilidade, pesquisas e acumulações).

 

No campo da inteligência, mesmo em relação àqueles dotados de uma imensa capacidade, eis que a mesma, ainda que muito eficiente, "gira em falso" quando lidando com informações inverídicas.

 

Sou apenas um budista que estuda as grandes tradições espirituais, na perspectiva das suas ortodoxias tradicionais – a meu ver, a perspectiva que, ainda, mediante esforços idôneos, pode resultar em resultados notáveis.

 

Quanto ao meu "fanatismo', já expliquei aqui, em diversos posts, que não há "Papai Noel" [*] nem há, também, somente e exclusivamente, uma grande acumulação intelectual - ainda que consubstanciada em consistente e mesmo admirável erudição.

 

Fanatismo e Fundamentalismo são resultados que podem ser encontrados na conduta pessoal de individuais localizados e vinculados a diversas vertentes de propostas culturais, inclusive apreciadores e defensores de posições científicas ou materialistas. Alguém quer focar apenas no Fanatismo e no Fundamentalismo quando os mesmos são localizados no âmbito religioso – em boa parte dos casos, situados no domínio das seitas religiosas e pseudorreligiosas. Sei, porém, de pessoas com boa ou mesmo notável capacidade intelectual e cultural que são, simplesmente, a favor da eliminação pura, simples e impiedosa de toda e qualquer forma de religião – não apenas de desvios/doenças, seitas religiosas e pseudorreligiosas, mas das grandes tradições espirituais, as quais foram determinantes na construção de civilizações inteiras.

 

Seja como for, no âmbito das grandes tradições espirituais, o que temos é, sobre a fundação bem estabelecida de uma Base Ética Autêntica, Estudos Idôneos sobre os documentos tradicionais e seus itinerários - estudos esses empreendidos não apenas com a mente, mas também com o coração -, e, no que concerne à Prática Espiritual, um esforço contínuo, zeloso e diligente nos procedimentos objetivando uma ascese interior-espiritual.

 

Integram, porém, esse processo: a Fé (não apenas quanto à veracidade e a validade dos documentos e itinerários tradicionais, mas na possibilidade de atualizá-los em nossas vidas) e aquilo que o Buddhadharna denomina "Tomada de Refúgio"; isto é, se não tivermos adesão a alguma família espiritual autêntica, estaremos sem transmissão, sem rito ou no que pode ser denominado "Via Mística": na Via Mística há identificação e adesão interior a uma determinada família espiritual, porém pendem em aberto a transmissão e iniciações efetivas repassadas por um representante legítimo da dita família espiritual. Nesse caso, faltando a transmissão/ritos, se está fora da conexão direta com os santos, rshis, gurus, yogins, buddhas, bodhisattvas, arhants, dakinis, etc.

 

[nota: Em relação ao “Papai Noel”, ao menos nas grandes tradições espirituais (excluído, portanto, dessas considerações o Protestantismo - no âmbito do qual os fieis não compreendem a verdadeira natureza de determinados sucessos e fenômenos psíquicos que ocorrem entre eles, não se tratando de milagres tampouco de “Deus” a natureza verdadeira de muitos eventos sobrenaturais entre eles), o que há é aquilo que, no contexto hindo-budista, chamamos de "Joia que Realiza Desejos".

Esse resultado foi alcançado não apenas por uma combinação entre Vidya (Ciência Espiritual), Jnana (Conhecimento) culminando, através da Prática Espiritual diligente, em Prajna (Sabedoria), num processo de Ascese Interior-Espiritual; entram aqui, também, a Santidade, a Fé e a Pureza...

A mim, diante destas informações do Buddhadharma, sempre foi certo que os santos, por exemplo, são portadores, no seu âmbito cristão e conforme seu grau de elevação, de "Joias que Realizam Desejos" - vide feitos miraculosos dos grande santos cristãos registrados nas suas hagiografias (Santo Antonio de Pádua e Santa Teresa de Ávila, por exemplo)-; e isto, simplesmente, porque os grandes santos 'queimaram tudo' em prol da interação com a Realidade de Cristo e do Conhecimento Direto da mesma...

 

E qual poderia ser a correlação entre a "Joia que Realiza Desejos" e o "Papai Noel"? Diria que ela é o "Papai Noel" - mas seus requisitos são aqueles que indiquei aqui: Vidya, Jnana, Prática Espiritual diligente, culminando em Elevações interiores e Prajna, interagindo nesse desenvolvimento Fé, Santidade, Pureza e... Veracidade-Verdade.

 

Por isto, em vista das hagiografias, menciono os santos - eles têm, de acordo com suas elevações em Cristo, esse resultado.

 

"...A natureza de Deus, ela mesma, está acima e além da compreensão humana; seja o que for a natureza de Deus, ela está acima e fora da mente como nós imediatamente, ordinariamente percebemos a mente. De fato, me alinho com as Upanishads: "Não sei que O ignoro...". A própria palavra “Deus” não é Deus ... ninguém almeja a palavra mas aquilo que ela significa ou tenta indicar.". (post: "Em quê creem os budistas? Não-Dualidade e os cristãos".).

 

"...A Tanakh (Antigo Testamento) pode surpreender quem chega, com guerras e mortes - e haja vista o contexto cultural arcaico e difícil (sacrifício do primeiro filho a Moloch, relações incestuosas, etc). A religião da Tanakh era por concerto, mediação de algum homem santo ou sagrado (Melquisedec, Abrahão, Balaão) os quais faziam a "ponte" entre a comunidade e a Dimensão Sagrada e observado, também, que essa posição implicava procedimentos tais como ritos transmissíveis à comunidade (o que não mudou até o momento presente - daí falarmos em Lex Aeterna/Lei Eterna ou Sanatana Dharma).

As verdadeiras tradições espirituais são o resultado dessas "pontes" interagindo o domínio humano com a Dimensão Sagrada - as quais acabam implicando em linhagens e famílias espirituais. Acrescente-se a isto o esforço/desenvolvimento individual de cada um... (post: "Budismo Moderno. Igreja. Tantra. - alguma consideração...")

 

As experiências significativas e decisivas são produto da ascese-interior espiritual via itinerários autênticos, percorridos de forma diligente e idônea.

 

"Papai Noel" mesmo, fora da "Joia que Realiza Desejos", não existe. Uma "Joia que Realiza Desejos" é um epifenômeno, um resultado decorrente de elevações e/ou iluminação efetivamente alcançadas, realizadas – e conquanto possa haver, no contexto hindo-budista, procedimentos específicos objetivando o nível de elevação interior correspondente à “Joia que realiza desejos”, per si.

 

Outrossim, não obstante isto, em situações de idoneidade, a Fé pode "transpor montanhas" (mas, nesse caso, os sucessos com a fé dependem do teu recurso e compreensão interiores)...

 

No Cristianismo se diz que "os pedido feitos a Deus por crianças são atendidos mais rápido...".

 

Primeiramente, isto foi observado entre crianças religiosas - com regularidade/engajamento delas e de seus familiares em serviços espirituais.

 

Pode-se dizer que no Islam, no Judaísmo, no Hinduísmo e no Buddhadharma encontraremos a mesma coisa? Sim, se trata de uma experiência universal com as crianças. E sendo a mesma universal se refletirá, também, entre crianças protestantes, embora elas recebam informações parciais, limitadas ou insuficientes sobre a posição cristã - como a limitação biblicista/visão sola scriptura. Seja como for, em meio ao Louvor/Adoração protestante idôneo, coisas boas podem acontecer; lamentamos, todavia, da posição protestante, que algumas coisas boas logradas pelos fieis - no seu próprio nível, autênticas -, sejam acompanhadas, também, pela possibilidade de desenvolvimentos ruins, fenômenos psíquicos ou ainda mentalistas interpretados como fenômenos sobrenaturais decorrentes da fé em Cristo (e não da orientação pessoal dos pastores/ministérios).

 

[nota na nota: a possibilidade protestante é um resultado comprometedoramente amputado do Cristianismo tradicional; extirpado do que é repassado à massa de fieis protestantes as referências necessárias da espiritualidade cristã que se pautou e orientou pelas elevações de ordem interior-espiritual e pelo Conhecimento Direto da realidade de Cristo (a sabedoria cristã desenvolvida desde a Igreja Primitiva, se tornou mera “peça de museu”; a sabedoria cristã católica – como aquela desenvolvida através de São Boaventura, São João da Cruz e Santa Teresa de Ávila -, um resultado que, embora atinente à pura espiritualidade cristã, proibido para pesoas protestantes por ser oriundo de “pessoas idólatras”).

 

Se o Cristianismo tradicional nos deu santos e santas, o Protestantismo nos deu pessoas de razoável conduta social, porém, afetadas em maior ou menor grau, pela limitação Biblicismo-Visão sola scriptura (somente a Bíblia) além dos resultados modernos que vemos hoje: a mamônica Teologia da Prosperidade, o uso nos cultos de técnicas mentalistas ou de recursos derivados da Programação Neurolinguística; o uso e abuso, pois desvinculado das considerações doutrinais e espirituais cristãs autênticas, através de alegações meramente verbais ou com sentido codificado sobre 'Deus', 'Cristo' e o 'Espírito Santo', 'Salvação da alma' e 'Vida Eterna', 'Igreja' e 'Corpo de Cristo', etc...

Restou aos protestantes idôneos, como Prática Espiritual, somente o nível do Louvor-Adoração, o qual é inicial e pode ser manipulado pelos homens com habilidade em conduzir ajuntamentos e cultos, mesmo sem formação teológica, consubstanciando-se tal situação num desastre espiritual para aqueles tentando alguma forma de possibilidade autêntica através da possibilidade protestante. Muitos feitos considerados extraordinários pelos protestantes não se tratam de milagres nem obras que possam ser atribuídas a Cristo, mas de resultados da ordem dos fenômenos psíquicos, nada tendo que ver com a realidade de Cristo, encontrando-se os protestantes, a meu ver, numa prisão mental e espiritual, consistente da construção retórica, biblicista e, em muitos casos, fundamentalista que os cerca, bem como, o domínio dos rebanhos pelas cúpulas...]

 

Na prática, as crianças, em seus esforços com orações, rosários, cânticos, louvores, mantras e dharanis, atingem conexão com o valor da Pureza e, dessarte, através dessa interação, algumas obras - e dentre essas obras, alguns feitos notáveis.

 

Certa vez, uma criança budista fez um pedido que não tinha como ser atendido: seu animal de estimação adoeceu e morreu e ela começou a recitar o mantra de Tara, na intenção de que o mesmo fosse ressuscitado. Os budistas sentaram com ela e explicaram, com termos budistas que ela conseguisse entender, que o animal havia cumprido sua jornada. Após, os adultos a apresentaram na sadhana de recitação do mantra de Tara e a menina acordou sem o pesar e o inconformismo pela perda de seu bichinho.

 

Uma parte das pessoas alcança livramentos, alívios, saídas e mesmo algumas obras miraculosas, como curas de doenças através da interação simplória, mediana ou excelente com a Dimensão da Fé interagindo com Cristo, com a Bem Aventurada Virgem e os santos e/ou com a Bíblia (a religiosidade bíblica) - para me ater aos conteúdos cristãos da interação via fé religiosa.

 

[nota na nota: A Dimensão da Fé é algo amplo mas, também, difuso e não deve ser confundida com a Dimensão Sagrada. Somente a Fé purificada interiormente, idônea e baseada em valores perenes e informação doutrinal verdadeira, atinge a Dimensão Sagrada - isto é: se a minha fé logra atingir o patamar correspondente ao nível de interação com a Dimensão Sagrada, o meu resultado interior já é benigno e desenvolvido numa direção sadia, já se podendo falar, nesses casos, não apenas em situações fortuitas - uma cura, um livramento, uma saída, uma melhoria material - , mas na presença de elevações interiores, ao menos, de ordem inicial. Se a carga de Conhecimento/Jnana não é excelente, entretanto a medida que existe interiormente é desenvolvida de modo a fazer o melhor com o que se tem em mãos...]

 

Admitindo que somos multifacetados e que as condições materiais que afetam a todos nós têm seus andamentos difíceis de se lidar - ou mesmo corrosivos -, entretanto, numa parte dos casos, há pessoas do Povo Simples que ainda são como o "Nieh Ch'ueh'" de Chuang Tzu, no Taoísmo ("Da importância de ser desdentado").

Certa vez, enquanto um mestre taoísta explicava a um rapaz desdentado os procedimentos necessários para a ascese interior-espiritual, no meio da explanação"o desdentado adormecera; a sua mente não podia 'mastigar' o cerne daquela doutrina"; mas o mestre taoísta observou que havia uma correlação interior benigna no rapaz desdentado, justamente com o valor da Pureza:

 

"seu corpo é seco,

como o osso de uma perna velha...

sua mente é morta,

como cinzas apagadas...

seu conhecimento é sólido...

sua sabedoria, verdadeira...

na profunda escuridão da noite,

ele vagueia livremente,

sem planos nem objetivos ...

quem pode se comparar

a este homem desdentado?".

 

Ou seja, aqui a questão não é o fato de Nieh Ch'ueh ser uma pessoa do Povo Simples/Commom People - ou um "Zé Povinho" -, sem relatórios-estudos tampouco transmissões, mas, antes, quanto a ele preservar incontaminada a sua alma/interioridade - enquanto que a maioria de nós segue preocupada, no mínimo, com segurança (outros ainda com conforto, interesses pessoais de posição e riqueza ou ambições e conquistas ainda maiores).

 

Interiormente, mesmo multifacetados, mesmo contaminados por diversos venenos, quando não somos desistentes totais dos valores éticos e quando não estamos tolhidos:

 

1) pela convicção de que a malícia vale mais à pena do que a ação ética;

2) e de que certos cálculos e manobras são preferíveis - por ter o condão de ajeitar ou resolver tudo - a agir de maneira aberta e com alguma liberalidade;

 

Então, setores da nossa estrutura interior ainda podem alcançar e conectar, em meio a algumas circunstâncias e/ou pressões com que estejamos envolvidos, alguma interação com o valor da Pureza; e dessa interação com a Pureza algum resultado/contrapartida benigno.

 

Isto pode ser assim se, interiormente, a postura interior natural das crianças - normalmente, sem cálculos nem cisões - ainda é viável através de nossas estruturas...]

 

Revisei o post com os complementos sobre o episódio Mandarava/Ahkon Lhamo. Aproveitando o gancho da Mandarava, acresci, também, alguma breve observação minha - posto que meu entendimento é que as postagens não devem ser tão extensas - sobre a questão, no âmbito do Vajrayana, da situação entre o Dalai Lama e o Geshe Kelsang e sobre Chogyam Trungpa...

Ricardo Kaliputra – 22/05/2016 .

_______________________________

 

 

 

I – MANDARAVA. O caso Ahkon Lhamo (Catherine Burrughs).

 

O treinamento de Ms. Burroughs parece não ter amadurecido sua memória latente de dakini.

As confusões e traumas havidos em Sedona/Arizona, lamentavelmente para o ramo Nyingma Pa do budismo tibetano, a linhagem Palyul de seu “pai” espiritual Penor Rinpoche e os discípulos com interesse sério em Budismo tibetano, acabaram culminando em denúncia policial.

 

Ms. Burroughs foi fichada no Departamento de Polícia e o monge ordenado por ela – e seu assessor direto -, John Buhmeyer, preso por pedofilia praticada nas dependências do Kunzang Palyul Choling, sob sua direção.

 

Após esse furioso vendaval, ela encerrou as atividades em Sedona, deslocando-se para Poolesville-Maryland.

 

Ahkon Lhamo aparece listada no “Controversial ‘Buddhist’ Teachers & Groups” (www.viewonbuddhism.org). Nessa lista estão relacionados uma série de professores/instrutores desviados dos ensinamentos e da conduta budista, a saber:

 

Shoko Asahara – oriundo da seita budista heterodoxa japonesa Agon-shu, terminou por criar sua própria seita, angariando discípulos; envolveu-se com Budismo tibetano, Yoga, fez viagens à Índia dos Himalaias e visitas ao Dalai Lama. Mais tarde, demonstrou, publicamente, interesse pessoal pela obra de Nostradamus - o que indica a possibilidade de alinhamento de Asahara com seitas não-budistas de índole esotérica. Desse último período, começam a manifestar-se em Asahara demonstrações psicológicas do que pode ser caracterizado como delírio e fanatismo. Finalmente, é responsável pelo atentado havido no metrô de Tókio/Japão, com gás sarin em 1995;

 

Sangharakshita (Dennis Philip Edward Lingwood) – envolvimento sexual com os discípulos e abuso sexual de um menino indiano de treze anos;

Daisaku Ikeda – Sokka Gakai japonesa – alegado por ex-membros da seita, o estupro, por Ikeda, de uma seguidora budista que o auxiliava como secretária;

 

Lama Kelsang Chople (Gerhard Mattioli) – abuso sexual de discípulas, abuso financeiro e abuso de poder – na Holanda. Divulgadas as irregularidades na imprensa local além de procedida a instauração de regular investigação policial.

 

O material informativo na Wikipedia noticiando sobre eventos problemáticos/traumáticos com Catherine Burroughs/Ahkon Lhamo foi editado em 2010 e todos os pontos controversos removidos (o que chega a ser estranho, pois não se trata de calúnia ou difamação, mas informação que deveria ser objeto de uma retratação formal e pública: realmente Ahkon Lhamo foi fichada pelo Departamento de Polícia de Sedona/Arizona e seu assessor Buhmeyer preso por pedofilia, praticada essa com um visitante regular do centro de Dharma, nas dependêncis do mesmo - condenado Buhmeyer a 20 anos de prisão por isso -, não se tratando de invenções, calúnias ou difamações.).

 

Também, na alegação de “proteger o Nyingma” , contratou serviços advocatícios com a finalidade de “blindar” a reputação, ao menos na Web, do Kuzang Palyul Choling sob sua direção, proibindo críticas e bloqueando twiteiros, blogueiros, Facebook, etc. – todo o normal free-speech/free-press comum aos americanos. 

 

Restam poucos links e páginas valentes ainda a conversar e discutir sobre desvios, traumas e problemas ocorridos em seu Kunzang Palyul Choling, bem como sobre a perseguição judicial a comentários sobre eventos traumáticos ocorridos no mesmo. Um dos links que consultei inicialmente – o “www.americanbuddha.com” – preferiu se esconder ou desistir das divulgações, sendo que as páginas foram, aparentemente, removidas – uma pena: o www.theamericanbuddha.com trazia material valioso para as pessoas interessadas em Budismo e Hinduísmo não perderem tempo, esforços e dinheiro com posições movediças e mesmo miseráveis sob a bandeira dessas duas orientações.

 

E uma das fontes ainda disponíveis, com fácil acesso, é o livro “Stripping the Gurus”, de Geofrey D. Falk – o qual, sendo um boa obra inicial para verificação de irregularidades e doenças, peca no seu conjunto, todavia, pela falta de erudição da parte de Falk, para questionar doutrinas propriamente (pois tal situação requer um conhecimento melhor e mais aprofundado).

 

[nota: verificar ‘doenças’ e anormalidades do “supermercado espiritual” – com seus pseudogurus e pseudo-iluminados requisitando fidelidade e submissão, dinheiro e reconhecimentos daquilo que eles não têm e não são e, também, sexo – e, ainda, irregularidades e anormalidades no seio de setores de algumas das grandes tradições espirituais, é o esforço de Falk no “Stripping the gurus”. No geral, o esforço de Falk é imbuído de um viés cético. A palavra "seita", na sua acepção aflitiva para nós ocidentais (e para muitos orientais), corresponde não apenas a posições heterodoxas, mas distorções e, também, mentiras, fraudes e vigarices, implicando não somente em desvios mas reduções e inversões, com perdas significativas. Nessa consideração, verificar seitas é verificar anormalidades e doenças. Mas quanto a algumas situações lamentáveis em meio às grandes tradições espirituais, houve algumas análises críticas procedidas por Falk que demonstraram tratar-se de colocações feitas sem compreensão suficiente do cerne das doutrinas nem conhecimento adequado do contexto e do pano de fundo de alguns dos andamentos apontados: as críticas ao Dalai Lama indicam ser, boa parte delas, derivadas daquelas divulgadas pelo casal Trimondi ("The shadow of the Dalai Lama"); já as críticas contra a Madre Teresa e a doutrina católica indicam tratar-se da campanha de difamação promovida contra ela, tentando pintá-la como “religiosa fanática” e responsável por desvios financeiros – não perdoando Madre Teresa em relação a pequenos deslizes em algumas de suas colocações, tampouco, até o presente momento, embora se fale na hipótese “fortíssima” de desvios financeiros... para onde então foi o dinheiro confiado à freira?

 

(No Brasil nós sabemos, pelas informações do Imposto de Renda, quanto é e onde está o dinheiro dos líderes evangélicos e neopentecostais; porém, quanto seria e para onde iria o dinheiro de uma freira com voto de pobreza, vivendo não uma vida de opulência, regalada a caviar e champanhe, mas a vida de uma católica praticante e devota fervorosa?).

 

Não desmereço Falk – tampouco excluo ou desrespeito os céticos. Onde ele acerta – sensivelmente em relação ao “supermercado espiritual”, pseudogurus e pseudo-iluminados -, sua obra é um aviso salutar e merece elogios: tudo que livra as pessoas de perderem tempo com o que está comprometido, anulado e corrompido deve ser repassado e divulgado ao público interessado.

A questão é onde algumas de suas críticas podem ser desfeitas – não por serem dirigidas a falhas/desvios ocorridos em setores de algumas tradições espirituais, mas por haverem esclarecimentos e réplicas que devem ser levados em conta. ].

 

 

Em relação a Ahkon Lhamo a crítica de Falk – devido à censura às discussões e críticas na Web obtida por vias judiciais -, vem mesmo a calhar.

Essa posição de não querer ser criticado é, no mínimo, muito estranha: como já salientei, há falhas e traumas envolvendo os eventos com Ahkon Lhamo e o núcleo de budismo tibetano sob sua direção, Kunzang Palyul Choling, não se justificando a censura, senão por excesso, calúnia e difamação – mas nunca em decorrência de discussões na Web ou em outros ambientes acerca de situações que ocorreram, efetivamente, com Ahkon Lhamo em Kunzang Palyul Choling e quanto à normalidade de seu budismo tibetano.

 

Afinal, se o meu Budismo é verdadeiro, compete a mim mesmo, se questionado, comprová-lo; se possível, pela demonstração de obras notáveis; se não, ao menos, demonstrar sua validade com estudos doutrinais consistentes e conduta ética e espiritual de acordo com os ensinamentos budistas.

Dois dos principais e mais próximos monges de Ahkon Lhamo foram:

 

1) John Buhmeyer, ou “Palzang”, que cumpriu, em Sedona/Arizona-EUA, uma sentença de vinte anos em regime fechado, por molestar sexualmente, repetidas vezes, um menor de idade, nas dependências de Kuzang Palyul Choling – ele foi ordenado pessoalmente por Ahkon Lhamo. 

Antes de se juntar a Ahkon Lhamo, Buhmeyer já tinha antecedente criminal por abuso sexual de meninos. 

Ordenado monge, e próximo à Ahkon Lhamo, uma de suas primeiras medidas junto a ela, foi conseguir, justamente, a liberação do acesso a Kunzang Palyul Choling para a visitação de crianças.

Buhmeyer é reputado tratar-se de ghostwriter budista responsável pelas obras atribuídas e assinadas por Ahkon Lhamo sobre “Generosidade” e “Perfeição da Sabedoria”.

 

2) o monge budista David Williams, que se tornou, na prática, também seu assessor, sendo um fiel e ferrenho defensor do mito “Ahkon Lhamo” (uma dakini tibetana do século XVI)/”Mandarava” (consorte do Buddha Padma Sambhava - na verdade, todas as budistas nyingma trazem em si a semente de Mandarava e de YeshesTsogyal, ambas tântricas e consortes históricas do Buddha Padma Sambhava, a primeira indiana, a segunda tibetana).

 

 

Penor Rinpoche, responsável máximo pela linhagem Palyul do ramo Nyingmapa do Budismo tibetano foi o autor da proclamação de ser Alyce Zeoli/Catherine Burroughs uma tulku – a mesma informação foi declarada por Penor Rinpoche ao artista Steven Seagal (ser o mesmo o renascimento de um tulku).

Steven Seagal, na época de seu encontro com Penor Rinpoche, já era conectado ao Budismo Tibetana e tinha ligação pessoal com o lama Kusum Lingpa. Entretanto, Lingpa não confirmou a declaração de Penor Rinpoche e Seagal rompeu relações com esse lama, passando à tutela de Penor Rinpoche.

 

Catherine Burroughs foi entronizada em 1988.

 

 

 

Antes de focar na questão quanto a Catherine Burroughs ser ou não ser uma tulku, publico aqui, primeiramente, uma carta endereçada à mesma por seu mestre Penor Rinpoche.

 

Querida Ahkon Lhamo

 

É com grande pesar que escrevo esta carta, para informar-te que eu não tenho mais confiança em tuas ações.

 

Estou requerendo que tu te refreies de referir-se a ti mesma como uma pessoa realizada e que pare de enganar as pessoas, dizendo que tu és autorizada por mim a ensinar o Buddhadharma.

 

Tu és reconhecida por mim, isto é verdadeiro; mas eu venho me arrepender deste reconhecimento quando vejo o prejuízo que tu tens causado para os outros em meu nome.

 

Porque eu acredito que tuas ações são causadas por uma doença que tem infectado tua mente, encorajo-te a procurar ajuda médica, imediatamente.

 

O karma de conduzir erroneamente as pessoas em nome da linhagem Palyul ou em meu nome é muito pesado e te impedirá de alcançar um renascimento auspicioso.

 

Muitas vezes eu te disse isto, mas tu decidiste não me ouvir. Razão porque te escrevo esta carta.”. 

 

Paltrul Pemma Norbu [Penor Rinpoche]

 

 

O treinamento de uma criança identificada como tulku é algo especial, que começa em tenra idade, abrangendo não apenas o reconhecimento de objetos pessoais do tulku, mas

1) as transmissões,

2) a introdução nos estudos que corresponderão a uma enorme acumulação de conhecimentos budistas, repassados gradualmente,

3) nesse ínterim, as práticas para a necessária purgação de karmas que podem gerar regressão além de, a nível psicológico, as medidas necessárias para purgação dos kleshas (aflições mentais),

4) votos bodhisattva.

 

As crianças tulkus, alémdas transmissões inicais, começam por aprender a decorar textos sagrados budistas, até que possam recitá-los de memória.

 

[nota: Nas fileiras do Nyingma, Chagdud Tulku Rinpoche já teve seu renascimento num menino de origem tibetana de família Nyingma. Penor Rinpoche também já teve seu nascimento identificado num menino de sua linhagem, dentro das referências tradicionais - ambos os meninos estão em treinamento.]

 

No âmbito do Budismo, uma pessoa realizada que se apresenta a si própria e vende a própria imagem como se tratando de “uma pessoa realizada” ainda não alcançou a realização. Falta de temperança, falta de habilidade em lidar com os discípulos e suas dificuldades, favoritismo com pessoas escolhidas por motivos pessoais, excesso de preocupação com a posição de liderança, falta de equilíbrio no cuidado material e espiritual do Centro de Dharma, essas situações indicam que não estamos, ainda, diante de uma pessoa realizada mas, se muito, diante de uma pessoa que recebeu transmissões vajrayana e foi encarregada de cumprir uma função de liderança no núcleo de Dharma ou templo.

No que concerne a Ahkon Lhamo, há uma formação de eventos desviados, de situações mesquinhas ou tacanhas no dia-a-dia com a Samgha que deveria conduzir; ou, ainda, eventos desastrosos e com consequências miseráveis para as pessoas. Então, deve ser dito aqui que:

 

1) aceitando a hipótese de que Ahkon Lhamo/Catherine Burrughs foi mesmo uma dakini – pelo treinamento budista e pela natureza dos ritos tântricos, ao nível da sua normalidade ortodoxa, isto soa improvável (Chagdud Tulku é falecido – e seu atual nascimento deu-se em 2010, sendo, neste momento, ainda um menino -, mas quem puder visitar um tulku tibetano nativo pessoalmente, verifique se há a presença de muitos kleshas/aflições mentais).

Será, então, que o rito da transferência de consciência (Phowa) dos tulkus tem falhado nalgum aspecto? Ou, então, a existência pessoal do tulku falhou em algum ponto?

 

2) entretanto, há uma questão doutrinal (a qual corta Steven Seagal, também): elevar-se à categoria de tulku requer a realização plena dos Tantras budistas e tal elevação está, justamente, dentre aquelas que não regridem mais, pois se alçam acima dos seis reinos sujeitos à roda do karma e renascimento (isto não estorva a realização do rito Phowa, onde a decisão por um novo nascimento é pessoal e um ato de compaixão) – isto é: a realização interior-espiritual de um tulku, necessariamente, deve se alçar, superar a Medida-de-Nascimento-e-Morte, consistir em acumulações e realizações interiores que não podem mais ser perdidas nos altos e baixos do samsara (hoje se é rei, amanhã mendigo, hoje se é anjo, amanhã demônio ou fantasma, etc).

Por força da natureza do samsara, gerar karmas meritórios objetivando o bem dos seres sencientes é um procedimento nobre; mas ‘karma meritório’ não consiste em ações que trazem mais obscuridade, confusão interior, desvio das veracidades e, com tal desvio, desconexão/afastamento das verdades e validades.

Isto não se trata de nenhuma posição idealista – simplesmente, esta é a função das transmissões e sadhanas do Vajrayana…

 

Saliento que não estou sozinho (ou apenas com Kusum Lingpa) nessas considerações: as mesmas coincidem ou convergem, em parte ou no todo, com a de outros budistas vajrayana, inclusive da tradição Nyingma pa.

 

Não obstante algumas situações humanas que não tiveram a sequência de seus andamentos como seria o esperado e desejado, tenho consideração por Penor Rinpoche. A meu ver, tendo contato benigno com linhagens do Budismo Tibetano, algumas pessoas, por uma série de motivos de ordem pessoal e cultural, acabam por desperdiçar sua possibilidade com as transmissões vajrayana [*].

 

[nota: Na diáspora, os tibetanos se deslocaram para o Ocidente sem um conhecimento pleno dos nossos conflitos culturais e presença de militâncias bem como das mutações na percepção e interioridade humanas decorrentes das adesões. Do ponto de vista hindo-budista, o que se dá no Ocidente é uma ruptura cultural significativa com os valores tradicionais para a adesão e o engajamento em perspectivas e propostas modernistas/pós-modernistas, muitas delas enquadradas pelas grandes tradições espirituais como nihilistas, anti-metafísicas, anti-espirituais ou, ainda, inadequadas para a causa das elevações e da ascese interior-espiritual. Setores do ateísmo ocidental, por exemplo – o qual possui variações - têm propostas idênticas às do Charvaka hindú e, em alguns aspectos, do Jainismo (a posição ocidental mais próxima do Jainismo é o Catarismo), ambos impugnados pelo Buddha Shakyamuni, em seu tempo, como visões errôneas. As paramitas budistas e os votos bodhisattva são incompatíveis com manifestações flagrantes de egoísmo, exclusivismo e mesquinhez que estão já enraizadas como ervas daninhas no Ocidente. Por certo que o Mal não tem raça. No Oriente budista também se falhou nesse quesito das paramitas e votos bodhisattva – e também por lá se fomaram e existem enraizadas ervas daninhas. As cauaas, entretanto, lá e cá são as mesmas: alinhamento com posições nihlistas, má-fé e má-vontade para com a vida humana fora do próprio círculo pessoal de valorização e interesses a um nível comprometedor...]

 

Observem os leitores, seja como for (já que eu sou – ou quero ser – “ortodoxo/tradicionalista demais”), que tanto Chagdud Tulku Rinpoche quanto o próprio Penor Rinpoche, realizando o Phowa, ressurgiram – como tantos outros lamas, tulkus e os Dalai Lama – como crianças budistas de suas respectivas famílias/linhagens espirituais, exatamente dentro das prescrições tradicionais. 

 

Para uma leitura tântrica – budista ou hindú – é sabido que não é possível violar – por motivos que consistam em pura absorção no samsara, sem consideração nem correlação alguma com a Paramartha Satya ou a Realidade Última – os preceitos.

 

Enquanto parte dos egressos de Ahkon Lhamo são sinceros e honestos com os lamas e tulkus, a seu turno, os tibetanos palyul e de diversas outras ordens, embora concordando com os americanos e sendo compreensivos com seu sentimento óbvio de decepção e contrariedade, são comedidos nas ações exteriores.

 

Eu, porém, diria que os Nyingma já desligaram Ahkon Lhamo, independentemente do quanto suas atividades atuais logrem angariar novos seguidores e mesmo um grande número deles. Dessarte, ainda que ela se apresente com sendo “Nyingma”, sua comunidade budista Kuzang Palyul Choling (atualmente New Kuzang Palyul) já está, na melhor das hipóteses, na Via Mística: após a morte do líder espiritual da linhagem Palyul, Penor Rinpoche, Ahkon Lhamo simplesmente ignora o sucessor Karma Kenchu, não respondendo a nenhuma de suas solicitações.

 

Como muitos americanos, ela parece preferir autonomia plena, não normas da regularidade tradicional.

 

Assim a New Kuzang Palyul é, na verdade, já um desvio da verdadeira linhagem Palyul da família Nyingma Pa, uma seita new age esotérica do Budismo tibetano. Porém, em nossos dias – e com o falecimento dos lamas orientadores que lideravam núcleos de Dharma e templos - , lamento informar que o New Kuzang Palyul não está mais sozinho, restando aos interessados em Budismo tibetano (já que nós ocidentais, diferente dos tibetanos nativos os quais são bem enraizados em suas famílias espirituais, não somos polarizados mas tendemos a apreciar com o mesmo interesse e simpatia todas as linhagens tibetanas, inclusive as linhagens Bönpo.).

 

Em continuação, as transmissões não são brinquedos nem terapia ocupacional para despreparados ou inconsequentes; o treinamento e as instruções implicam uma maturação, a qual só ocorre em seu próprio tempo para cada um, individualmente. Em relação a isto, é sabido que Ahkon Lhamo permaneceu médium, por muitos anos, mesmo já entronizada…

 

Vi, pela web, algumas monjas budistas ligadas a Ahkon Lhamo; eles são o que eu chamo de “pessoas com orientação pelos referenciais da nossa cultura atual” (referenciais de nossa cultura cuja fundamentação são considerações materialistas e/ou hedonistas, ou ainda nihilistas, sem qualquer vínculo com esforços humanos por elevações-iluminação).

 

Ressalto, todavia, que não há, nessa linha de argumento culturalista, em qualquer ocasião em que a mesma se apresente, nem a percepção nem a compreensão de que os preceitos e ensinamentos estão estreitamente ligados/conectados com os processos que facultam elevações-iluminação, integrando, na verdade esse processo (tanto é que os mesmos estão fartamente documentados no Budismo, no Hinduísmo, no Catolicismo engajado com ascese-interior espiritual, no Sufismo e no Taoísmo).

 

Para a evolução cultural, interações humanas de ordem exterior e com absorção da vida humana no samsara podem ser – e efetivamente são - colocadas como não-estorvadoras dos processos que podem culminar em elevações-iluminação - enquanto que documentos tântricos hindús e budistas asseveram que o destino de pessoas sem as qualidades divina e heroica e sem alinhamento com as elevações pode ser o inferno Raurava.

 

Tal colocação com andamentos humanos de ordem exterior não possui comprovação histórica de resultados notáveis - pessoas santas, dotadas de elevações interiores ou iluminadas - em nenhuma das grandes tradições espirituais.

 

Um dos resultados imediatos da campanha em prol das alterações é não se dizer mais a verdade que consta nos documentos tradicionais para as pessoas por medo de ferir sensibilidades identificadas com posições da cultura hodierna (a qual não possui nem as elevações nem a iluminação como prioridades, objetivos ou orientação de vida - como encontramos nas culturas tradicionais -, e nem sequer em caráter secundário).

 

 

Outro resultado é que os budistas estão se tornando políticos: aceitam as ponderações, pleitos, reivindicações e protestos dos culturalistas mas exigem silêncio dos budistas que preferem se orientar pelo que consta dos documentos tradicionais -, o que compromete a sua Ética budista e não traz nenhum resultado em prol das elevações-iluminação.

 

Alunos budistas com background modernista/pós-modernista têm pressionado seus professores, roshis, gurus e lamas a aceitar a “evolução cultural”; mas quanto aos resultados notáveis, eles permanecem na esteira que orienta pelos parâmetros tradicionais.

 

No mais, atualmente, a informação que tenho é que, com Buhmeyer fora de ação e o encerramento (ou, que seja, a pausa) das atividades mediúnicas, agora, ao menos, Ahkon Lhamo tem se tornado budista, se enxergado como uma (quase trinta anos depois e com uma fartura absurda de transmissões vajrayana - repassadas a ela, em confiança, por Penor Rinpoche - que muitos gostariam de ter mas, numa situação normal, precisam percorrer, adequadamente e sem atalhos, o caminho da sadhana vajrayana para chegar a apenas uma parte das mesmas).

 

 

 

 

II – BREVE NOTA SOBRE O DALAI LAMA E A CONTROVÉRSIA DALAI LAMA x GESHE KELSANG e a New Kadampa Tradition (NKT)

 

Avançando mais um pouco sobre algumas situações com o Vajrayana e o Buddhadharma, em relação à lista da “Controversial ‘Buddhist’ Teachers & Groups” (www.viewonbuddhism.org), nela consta o nome do Geshe Kelsang da New Kadampa Tradition (Nova Tradição Kadampa), o qual era conectado ao mosteiro de Sera e a lamas como Thubten Yeshe e o Dalai Lama tendo tomado parte na Fundação para Preservação da Tradição Mahayana (FPMT em inglês)-, mas rompeu com o Dalai Lama.

 

Quem não deve, não teme”. Nenhum de nós é Cristo ou os Buddhas (Shakyamuni, Maytreia, Amithaba, Vairocana, Padma Sambhava); nenhum de nós é realmente perfeito. Se há fumaça, deve haver também fogo ou o que necessite ser aclareado e devidamente explicado.

 

O Dalai Lama, por exemplo, não é apenas o Dalai Lama, mas um budista e um ser humano.

Há críticas de cunho político à sua atuação administrativa como Dalai Lama, em Lhasa, inclusive de tibetanos. Em relação à sua atuação no Governo Tibetano no Exílio, por todos esse anos ele se viu, por ser o principal ícone da causa tibetana, na situação de abrir mão do Buddhadharma – recolhimento, práticas meditativas, sadhanas e transmissão de ritos na proporção integral que ele poderia, realmente, ter dedicado a isto – para engajar-se na causa tibetana worldwide e se envolver com todo o tipo de pessoas – muitas delas políticos e autoridades, além de personalidades, dentre os muitos países que visitou e, também, o pessoal da O.N.U.

 

E, nesse aspecto, se envolver com toda a carga de negatividade de ambientes movediços e pessoas não preocupadas nem engajadas, nas suas rotinas pessoais e condutas, com a causa da Iluminação ou, simplesmente, com a causa da veracidade das coisas associada a uma conduta ética real, efetiva.

 

Assim, o Dalai Lama, no interesse temporal da causa tibetana, lidou, constantemente, com mentiras pronunciadas com polidez, segundas intenções e interesses escusos, além de toda a covardia e inveracidades dos que preferiram e preferem atender as exigências anti-tibetanas da R. P. da China, em decorrência de vínculos de relações comerciais com a mesma.

 

A meu ver, mesmo com o staff enorme de todas as famílias tibetanas – em decorrência de encabeçar o Governo Tibetano no Exílio -, portanto, contando com uma multidão de conselheiros com excelente formação budista com os quais, também, poderia dividir algumas responsabilidades como a energia ruim de visitas a pessoas negativas ou miseráveis (apesar de sua posição social), enfim, as “cargas pesadas”; ainda assim, a situação do Dalai Lama, engajando-se com assuntos materiais da causa tibetana, era de sacrifício para sua condição de budista.

 

Adentrar os meios políticos é adentrar um mundo repleto de sinuosidades, tortuosidades, agressividade/violência e interesses pequenos/mesquinhos ou ainda escusos e subreptícios.

 

Há protestos e críticas públicas – por exemplo: o casal Trimondi em sua obra “The Shadow of the Dalai Lama” – quanto a algumas estratégias de ação tibetanas – como buscar aproximação com determinados tipos de pessoas, no interesse de fortalecer, a nível material e de influência na sociedade, a presença da causa tibetana (nesse caso, temos uma causa do Governo do Tibet no Exílio, não do Buddhadharma). Na prática, a adoção de condutas eticamente questionáveis – pois de cunho politico, calculadas e deliberadas para instalação e sedimentação de posições tibetanas no Ocidente.

De minha parte, acredito que basta manter em funcionamento idôneo, autêntico, a transmissão do Buddhadharma através dos Budismo tibetano e, para aqueles interessados, também do Bön.

 

Prefiro, então, calcular se há a possibilidade de algum desconto a favor dos tibetanos: e o primeiro deles consta dos relatórios da Comissão Internacional de Juristas (a remoção via massacres, destruição de mosteiros e religiosos, expurgos e violações da cultura tibetana de sua própria terra de origem). A cultura tibetana, não obstante os acordos avençados com a República Popular da China, devidamente documentados para que a mesma fosse preservada - bem como a liberdade religiosa -, foi expelida pelos chineses. Segundo: as relações políticas (e as constantes pressões anti-tibetanas chinesas) – e a necessidade de suporte para a causa tibetana – conduzem a essas posições.

 

O que temos, então, na condução da causa tibetana, é reflexo da situação política e ético-espiritual do mundo.

Se os tibetanos não adotarem algumas medidas, a nível político, no seu próprio interesse (causa tibetana e, também, do budismo tibetano), realmente sua causa comunal (o Governo tibetano no Exílio, cuja função maior hoje é, justamente, a preservação da cultura tibetana) deixará de existir, pois a R. P. China tem muito mais poder.

 

Quanto a Geshe Kelsang, minha posição pessoal é que, antes de reputar ou acusar a NKT (New Kadampa Tradition) como mais uma "seita do Budismo tibetano" (como se dá com o núcleo de Akhon Lhamo e alguns outros, inclusive não-listados na "Controversial 'Buddhist’ Teachers & Groups”), as pessoas devem procurar verificar a qualidade e validade de seu Vajradharma.

 

Apesar do lamentável “racha” entre Kelsang e o Dalai Lama – em princípio, por causa de Dorje Shugden -, e apesar de os ânimos estarem acirrados entre budistas de ambas as posições – sendo a New Kadampa Tradition rotulada e vista como uma facção ou seita, no sentido aflitivo da palavra “seita” -, a ordem budista de Kelsang repassa Budismo Mahayana e Vajrayana para os interessados, sendo as obras de Kelsang que me chegaram às mãos, sobre o Mahayana e o Vajaryana, transmissoras de ensinamentos budistas verdadeiros:

  • Clear Light of Bliss”,

  • Mahamudra”,

  • Budismo Moderno – em três volumes: I- Sutra: Compaixão e Sabedoria (Mahayana), II- Tantra, III – Preces” -, e

  • Guia à Terra Dakini.”.

 

Geshe Kelsang é oriundo do mosteiro de Sera e foi discípulo de Trijong Rinpoche, bem como amigo pessoal do lama Thubten Yeshe; quanto a esse último, ambos estiveram juntos no mesmo mosteiro e projeto de divulgação do Budismo Tibetano (Fundação para Preservação da Tradição Mahayana – em inglês: FPMT), tendo o Geshe Kelsang, inclusive com recomendação de Thubten Yeshe, se fixado em Inglaterra.

 

A amizade ente Kelsang e Thubten Yeshe não era imotivada: ambos se tratam de excelentes professores do Vajrayana.

Antes da ruptura, Kelsang foi aprovado numa avaliação requisitada pelo próprio Dalai Lama, para aferir seus conhecimentos sobre o Buddhadharma e sua condição de “Geshé” (um grau monástico superior, apto para instruir, formar e repassar transmissões para monges e monjas) – embora nesse procedimento estivesse subentendido que o desejado era mesmo verificar as posições pessoais de Kelsang quanto a Dorje Shugden.

 

Kelsang entrou em conflito com o atual XIV Dalai Lama, Tenzin Gyatso por causa da proscrição levada a cabo pelo Dalai Lama da adoração a Dorje Shugden – sendo por isto, obviamente, expelido.

 

Ressate-se que o Dalai Lama atual teve como um de seus dois instrutores pessoais justamente o guru de Kelsang: o renomado monge gelugpa Trijong Rinpoche.

 

Trijong Rinpoche (1901-1981) era fortemente ligado à adoração de Dorje Shugden e a transmitiu a seus pupilos, dentre esses pupilos, Geshe Kelsang e o atual Dalai Lama, o qual aderiu à mesma, incluindo-a em sua rotina de práticas noturnas diárias por muitos anos.

 

Recuando um pouco na história tibetana, Dorje Shugden foi escolhido e propiciado, especialmente, como protetor da Ordem Gelugpa, levando-se em conta a excessiva influência sobre a sociedade tibetana das famílias Nyingma-pa (de chapéus vermelhos) de Budismo tibetano. A ordem Gelugpa (dos chapéus amarelos - originalmente, a antiga Kadampa) deriva de Atisha e foi reformada por Tsongkhapa; a mesma se organizava em mosteiros com forte formação Mahayana e Vajrayana, enquanto que os Nyingma, além de serem os primeiros budistas tibetanos, “filhos” espirituais do Buddha Padma Sambhava e de sua consorte (e mãe do Vajradharma), Yeshes Tsogyal, contavam e contam com uma estrutura que abrange pais e mães de família.

 

A partir de 1976, com a formação do Governo do Tibet no Exílio, o atual Dalai Lama passou a desencorajar a adoração a Dorje Shugden, havendo indícios de que sua decisão se deu por questões políticas (sem vínculo espiritual ou metafísico), a fim de viabilizar integração com as famílias tibetanas das várias linhagens, particularmente com as vertentes Nyingma.

A meu ver, o Dalai Lama sacrificou o serviço espiritual a Dorje Shugden em vista do escopo dessa integração.

 

A decisão, inicialmente interferindo no serviço espiritual e exigindo sua interrupção, desagradou a muitos dentro da própria ordem Gelugpa, dentre os quais, membros da hierarquia gelug que eram partidários do próprio Dalai Lama.

 

Mas o Dalai Lama não se deixou demover, antes reforçou as medidas, para determinar a exclusão daqueles vinculados à propiciação e adoração a Dorje Shugden de qualquer posição vinculada ao Governo Tibetano no Exílio bem como de seu círculo de pessoas próximas e discípulos.

 

[nota: Na comunidade nativa tibetana estabelecida na Índia, partidários do culto a Dorje Shugden - e, também, o próprio Kelsang -, procuraram reagir, reacendendo, na reação, a controvérsia quanto ao Dalai Lama provir de uma linhagem desviada da verdadeira Gelug, situação formada no Tibet a partir da escolha do 5º Dalai Lama, cuja escolha apresentou dois candidatos: Tulku Drakpa Gyaltsen (1619-1655) e o eleito para o cargo, Lobsang Gyaltso (1617-1682). Em 1642, o V Dalai Lama tornou-se, também, uma liderança temporal na sociedade tibetana. Em 1682, Tulku Drakpa Gyaltsen, após derrotar Lobsang Gyaltso num debate metafísico, foi encontrado morto, um dia depois, com um cachecol amarrado a sua garganta. ]

 

A exclusão e, mais adiante, proscrição do serviço espiritual a Dorje Shugden e a exclusão de pessoas vinculadas à sua adoração de qualquer participação na formação do Governo Tibetano no Exílio, foram duas medidas drásticas adotadas pelo Dalai Lama na liderança do Governo Tibetano no Exílio.

 

Em 1996, o Dalai Lama, formando uma espécie de “pente-fino”, passou a exigir a renúncia formal da continuidade na adesão às práticas envolvendo Dorje Shugden e recusou dar iniciações vajrayana a quem fosse de seu conhecimento que as mantivesse.

 

Em 15 de julho de 1996, o Governo Tibetano no Exílio emitiu um comunicado com a seguinte orientação:

"Os departamentos governamentais e suas subsidiárias, bem como as instituições monásticas em funcionamento sob o controle administrativo da Administração Tibetana Central, estão estritamente proibidos de propiciar esse espírito."

Tibetanos individuais”, foi explanado, “devem ser informados dos deméritos de propiciar esse espírito, mas é-lhes dado liberdade para decidir como eles prefiram.”.

 

Ainda, prosseguindo com o pente-fino, o Dalai Lama exigiu ao abade do mosteiro de Sera a relação de nomes de monges ainda vinculados às práticas Dorje Shugden. Finalmente, o último prior/titular do trono de Ganden foi indicado pessoalmente pelo Dalai Lama e deu prosseguimento às medidas excludentes.

 

Em 1991, Geshe Kelsang fundou a New Kadampa Tradition em Inglaterra.

 

[nota: Obtive esse itinerário de informações junto ao artigo “Two Sides of the Same God”, do professor de Budismo da Universidade de Michigan, Donald S. Lopez Jr.]

 

Se pode dizer que eu defendo o Dalai Lama – em relação à Causa Tibetana, estorvada e, em aspectos importantes, inviabilizada pelas pressões chinesas - e o Geshe Kelsang - no que concerne a Dorje Shugden? Eu diria que sim. Todavia, na causa envolvendo Dorje Shugden, as posições dos filhos de Tsongkhapa se tonaram incompatíveis.

 

A maneira como o Dalai Lama encaminhou sua decisão de desvincular-se das práticas e adoração a Dorje Shugden – decisão pela proscrição e exclusão de pessoas - é um ponto movediço e que deveria ser revisto: a situação dos tibetanos que conseguiram fugir de sua terra em decorrência da invasão chino-comunista do Tibet gerou pressões e premências fortíssimas que exigiam resposta e posicionamentos. As pressões chinesas contra todos os tibetanos, dentro e fora da diáspora, não admitiam nem admitem qualquer recurso, contestação/réplica ou moderação, composição amigável ou acordo…Ao final, ganhou-se, no interesse do Governo Tibetano no Exílio, a calculada e almejada integração com Nyingma, sacrificando, porém, de maneira excludente, exagerada e drástica, aqueles integrados e enraizados na orientação e práticas com Dorje Shugden - os quais foram cortados e marginalizados.

 

Nessa história, embora houvessem decisões importantes a serem tomadas, a Ética Budista foi ensombreada e preterida...

 

Seja como for, levando-se em conta as situações de fato que temos hoje, minha posição é pela moderação: se não for possível uma reconciliação ou alguma forma de acordo entre os budistas – devido a esse problema da ruptura entre o Dalai Lama e Kelsang -, que, ao menos, quando for oportuno, as comunidades budistas se apaziguem e respeitem mutuamente (por certo que isto implica àqueles tibetanos nativos com Dorje Shugden não se preocupar com os rumos do Governo Tibetano no Exílio, mas criar seu próprio caminho e priorizar o foco na preservação e continuidade do Buddhadharma seja através da NKT seja através de outros núcleos de Dharma).

 

Pessoalmente, espero que isto um dia termine e haja paz no Buddhadharma, ainda que não possamos concordar em tudo.

 

A última informação que me chegou é que há ações do Dalai Lama no sentido de uma moderação. Isto porém, se consolidado, deve ser repassado a todas as comunidades de Budismo tibetano para normalizar as relações entre os budistas.

 

 

III – CHÖGYAM TRUNGPA.

 

Adentrei nessa nota para falar do Tantra hindú, mas avancei para o Vajrayana. Vai, então, um último caso – resumido – sobre o Tantra budista, envolvendo Chogyam Trungpa.

 

Afirmar, que Chogyam Trungpa era “drunkyard and womened” – alcóolatra e mulherengo – trata-se de informação verdadeira? Sim, trata-se… e dizer o contrário não fica bem, é faltar com a verdade. Melhor dizer que ele era tântrico.

Entretanto, a questão com Trungpa não são essas características nem a Crazy Wisdom/Sabedoria Louca.

Crazy Wisdom pode ser louca, o Tantra pode ter alguns desenvolvimentos, para muitos, considerados loucos… mas nem um nem outro são anti-tradicionais nem desconectados das validades superiores. Mas o ensinamento que temos é que o Tantra "usa o mundano”. Usar o mundano não significa ser mundano; não há estofo nem subsídio em nenhuma posição-resultado cultural sem esforço nem engajamento pela Iluminação – e pelos valores que a mesma necessita – para o surgimento dessas possibilidades…

 

O Tantra - budista e hindú - usa o mundano em favor de posições metafísicas e não em prol da mera absorção em posições que aprisionam à Medida de Nascimento-e-Morte, ao samsara…

 

A meu ver – é o meu ponto de vista – , o problema com Trungpa começa com parte de seus discípulos ocidentais e já desde a Escócia: abraçando com generosidade e liberalidade os discípulos, ele não quis cortar posições ocidentais sem vínculo com buscas interiores-espirituais autênticas, acabando por permitir que certas posições passassem, se agregassem e, por fim, se integrassem aos seus projetos ocidentais com o Vajradharma; e isto estava no convívio de Trungpa.

 

A carga de negatividade decorrente dessa permissão/abertura para com os alunos ocidentais é o resultado que contribuiu para estorvar e, não obstante grandes êxitos logrados por Trungpa, manchar a obra em dado momento de sua trajetória. A meu ver, aqui está um dos fatores determinantes para situações que se formaram, parecendo “tântricas” e “Sabedoria Louca”. [*]

 

[notas:

1) A Ética budista tem diversas frentes de ensinamentos além do Vinaya, como o "Bodhicaryavatara" (ou "Bodhisattvacharyavatara" - "Caminho de vida do bodhisattva") de Shantideva, a "Ratnamala" ("Grinalda Preciosa") de Nagarjuna, o "Sadharma Pundarika Sutra" ("Sutra do Lótus"), do nobre bodhisattva Avalokiteshvara, filho do buddha Amitabha, cujos ensinamentos nunca tiveram paralelo em desenvolvimentos ocidentais, senão no ensinamento da Caridade cristã e ensinamentos cristãos como aqueles contidos, por exemplo, no "Sermão da Montanha".  

.

2) Se alguém quer entender melhor a combinação Sabedoria Louca-Tantrismo Budista, leia a história do Buddha Drukpa Kunley. Kunley era da família Kagyu, sendo, na verdade, um dos três Herukas/Loucos Divinos surgidos na família de Marpa, Milarepa e Gampopa. Mas, ao lê-lo, verifiquem uma coisa: anotem as passagens nas quais o buddha Kunley cortou as pessoas - são bem poucas; verão que a Sabedoria Louca é extremamente justa e não altera os parâmetros tradicionais, mas está integrada a eles... Por sinal, um dos mais loucos buddhas foi também um dos que, nos relatos a seu respeito, mais utilizou o mantra da misericórdia "Om Mani Padme Hum", do nobre bodhisattva Avalokiteshvara - equivalente a um tântrico ocidental rezar, sempre que tivesse oportunidade, o Pai Nosso e/ou a Ave Maria.

.

3) conheço um lama tibetano da Costa Oeste dos EUA - vem a São Paulo de quando em quando - que toca seu trabalho com o Vajradharma de modo semelhante a Trungpa.

Numa conversa pessoal, questionei-o sobre a situação da Prática Espiritual. Explicou-me que seus discípulos ocidentais realmente têm apresentado dificuldades - no Yoga e Pranayama, na aprendizagem do Dhammapada, etc. - e que, para aqueles engajados em perspectivas progressistas/culturalistas, realmente os avanços, conquanto existam, se dão num outro nível ou faixa muito inferior (ao nível terapêutico, diria eu)...

Apesar disto, quando de nossas últimas conversas, ele, como Trungpa, estava confiante que os resultados benignos adviriam do engajamento no Vajrayana – de minha parte, expus-lhe minha posição quanto à devolução dos ritos tântricos por incompletude da Base Ética e insuficiente compreensão metafísica, não havendo alinhamento interior por parte de certos indivíduos com as Estruturas dos ritos (se meu argumento, para alguns, pode parecer risível ou desprezível, diria que mais risível, a meu ver, é não se localizar, em milênios das grandes tradições espirituais, nem um único ser humano que tenha alcançado elevações e/ou iluminação - ou ainda santidade - e que tenham se pautado pelas orientações da nossa cultura atual com seu nihilismo, pobrezas, mesquinharias e misérias. Contudo, sei de muitos ocidentais e orientais, que não têm dúvida dessa última observação).

 

Entretanto, os discípulos conseguiram conduzir esse lama a aceitar a correlação falsa, por exemplo, entre Feminismo Ocidental e Tantra - o que é um equívoco: o Tantra hindú e budista se referem ao Feminino Metafísico (Kali, Durga, Tara, Uma, Bhairavi, Parvati, Kurukulla, Vajra Varahi, Vajrayogini, Vajradathu Ishvari. Chinnamasta), enquanto que o Movimento Feminista ocidental, a partir dos anos 60, deslocou-se do pleito de direitos civis legítimos das mulheres para se tornar mais marxista e materialista, desconstrucionista em relação à cultura não-marxista e substancialista em relação à condição da mulher (o que, pelos ensinamentos budistas, se trata de um erro já que, conforme o karma, hoje quem é homem, amanhã pode ser mulher e vice-versa; se homens errarem com as mulheres, isto poderá, também, implicar em nascimento ulterior sem abertura, facilidade e/ou favor com as mesmas; a mesma regra podendo cumprir-se em relação às mulheres com os homens). O Tantra é complementaridade entre opostos - dentre esses opostos, a união mulher-homem, yoni-linga, shakti-shakta, yab-yum; a seu turno, doutrinações e premissas feministas, na linha pós-anos 60, têm orientações que culminam numa separação, segregação, divisão entre homens e mulheres, e que induz mulheres a "castrarem" (psicologicamente, mentalmente) seus homens - enquanto que no Tantra a mulher não apenas é valorizada, mas honrada e vista como divina.

 

Não há correlação direta - senão de incompatibilidade e mesmo de oposição - entre o Feminino Metafísico e o Feminismo Ocidental (especialmente aquele a partir dos anos 60), mas lamas como ele têm sido empurrados por alunos ocidentais progressistas a aderir à causa "contra o Patriarcalismo" - rejeitando o Patriarcalismo mesmo nos casos em que, não obstante a situação cultural exterior, há, todavia, posição com as validades e a situação cultural - conquanto de cunho patriarcal -, não é iníqua. Isto é: descartando a informação acerca de qualquer resultado notável espiritual e/ou cultural surgido em meio à culturas de vertente patriarcal não por serem falsos ou iníquos, mas pelo simples fato de surgirem em ambientes de cultura patriarcal, o que não deixa de ser uma outra forma de estupidez, por sinal de qualidade extremista...

 

As grandes tradições espirituais, unanimemente, se pautam na Ascese Interior-Espiritual sobre uma Base Ética. Nesse conjunto, a presença de siddhis [habilidades/faculdades supranormais] são apenas, para a maioria dos seguimentos, uma decorrência ou, numa minoria deles, um resultado secundário a confirmar destrezas (por exemplo: destrezas no Yoga), mas nunca um fim em si mesmo.

A Iluminação e as Elevações estão intrinsecamente ligadas à construção pessoal efetiva da Base Ética. 

 

A Ética budista - com posição com a Mahakaruna/Grande Compaixão e Dana (Dar/Caridade) - como a Caridade cristã, é caracterizada pela abertura e preocupação efetiva com todos.

 

A Ética budista é baseada nas Paramitas (Perfeições) e nos votos bodhisattva. Embora a metafísica budista seja elaborada, minuciosa e refinada, exigindo um engajamento responsável e diligente e podendo chegar - conforme a rota que uma pessoa budista decide percorrer -, a um altíssimo grau de instrução, eis que a Ética budista, baseada nas práticas de mérito (oferenda dos benefícios que possam advir de sadhanas, retiros, práticas e recitações diárias, além de ações altruístas em diversos níveis e setores da vida humana), é aberta de modo a abranger todos os seres sencientes - e não apenas as pessoas do meu grupo, ou núcleo ou aqueles iniciados que fazem parte da minha linhagem/família espiritual ou somente as pessoas com transmissão/iniciação. Nesse aspecto, "todos os seres sencientes na prisão da roda do samsara" implica não apenas a preocupação com os "mocinhos", mas também com os "bandidos" (o que, aliás, é o ensinamento de Cristo, Amithaba e de Shantideva), não apenas interação benigna com os anjos, mas interação adequada com os demônios.

 

Assim aos não-familiarizados com os ensinamentos budistas, cumpre informar que "desejar o bem dos seres sencientes" é uma posição altruísta budista desejando, em última instância, o seu livramento da Roda do Samsara - e não a sua absorção na mesma.

 

Nesse caso, embora haja muitas situações humanas e existenciais, o altruísmo budista não se desvincula significativamente da Sabedoria que orienta o Buddhadharma – e uma ação altruísta é algo que pode envolver várias posições: pode ser, justamente, a caridade material aos necessitados, desamparados e enfermos; também a ação espiritual das oferendas de mérito, objetivando a melhoria da rota dos seres sencientes nas seis esferas do samsara, incluindo-se, aqui, ainda, que eles possam também alcançar, melhorando seu karma, colocação e engajamento nas metas superiores.

 

Do ponto de vista de uma compreensão budista, quem possui transmissões cujo objetivo são elevações e iluminação deve ser grato por isto e não menosprezar quem não as possui - mas engajar-se nas práticas de mérito para liberação de todos aqueles imersos (devido à Avidya e às ações sem o suporte e orientação da Sabedoria que objetiva a Liberação) na prisão da roda do samsara.

 

Quando sentado sob a copa da árvore Bodhi, no processo que desencadeou em sua iluminação, o Buddha Shakyamuni contemplou, num processo de visão interior, todos os seus nascimentos. Daí a posição da metafísica e ética budistas com a situação da existência dos seres sencientes no samsara. Como o samsara está sujeito à Lei do Karma, o mesmo é uma prisão - isto é: por causa da Avidya (Ignorância), hoje quem é divino amanhã pode ser um simples fantasma, um ser condenado aos infernos ou um demônio; hoje quem é rei, amanhã pode ser um simples mendigo; hoje quem está no alto ou no topo, amanhã pode estar na base ou abaixo da mesma nos estados de restrição, num processo interminável. Embora eu possa estar numa determinada família espiritual, favorecido por muitos ritos, todavia, se fracassar significativamente, as perdas podem consistir não apenas em esgotamentos e anulação de qualificações com os ritos almejando elevações mas, também, em inversões – dessarte, consistir em perdas integrais (particularmente, se a Base Ética não foi realizada); daí a importância da Ação associada a uma Base Ética consistente e orientada por uma Sabedoria almejando a Liberação e as elevações.

 

Farsas, enganos e auto-enganos, atitudes movediças e auto-ilusões, assimetrias iníquas ou truques foram descartados pelos ensinamentos dos Buddhas e de todos os justos e iluminados que passaram por esta Terra.) ...]

 

O filho de Trungpa ainda era menino (e em treinamento); assim, Trungpa precisou escolher dentre os discípulos, quem pudesse sucedê-lo. Um dos traumas com o núcleo de VajraDharma, em Boulder/Colorado veio à tona, justamente, com o discípulo escolhido por ele para este fim: o norte-americano Osel Tendzin – no final, transmitiu HIV para alguns discípulos e esses para algumas discípulas, gerando forte escândalo em Boulder e worldwide, bem como o consequente abalo de credibilidade (este episódio foi publicado por Falk, no “Stripping the Gurus”).

 

"Trungpa was like Daddy giving everyone permission to have sex and still feel spiritual about it," said one longtime member who left the group two years ago and asked that his name not be used. (“Trungpa era como Papai dando permissão a todos para ter relações sexuais [nas dependências do Vajradhatu Center] e sentir-se espiritual acerca disto” - disse um membro antigo que deixou o grupo há dois anos atrás [da publicidade do escândalo envolvendo Osel Tendzin]

 

Sobre Trungpa, há as observações de Hugh B. Urban no “Tantra, Sex, Secrecy”, dignas de serem conferidas.

 

Um outro membro antigo, Glenn Dorskind, de New York, afirmou à imprensa que Osel Tendzin sabia do resultado positivo para HIV, mas ainda ssim prosseguiu mantendo relações com discípulos.

 

"If in fact Osel Tendzin was aware he had the virus and continued to have unprotected sex, he has broken the trust and hearts of many human beings,". Glenn Dorskind, a former sect member who now lives in New York

 

(“Se de fato, Osel Tendzin eatava cônscio que ele tinha o virus e continou tendo relações sexuais desprotegidas, ele quebrou a confiança e corações de muitos seres humanos”...)

 

Quanto ao filho de Trungpa, Sakyong Mipham, estive numa palestra com o mesmo no núcleo de estudos Shamballa da Vila Mariana, em São Paulo, nos anos 90. Naquela oportunidade, longe de ser um badboy (como o pai foi assim reputado), o vi como um budista tibetano tradicional – estudou com Dilgo Khyentse Rinpoche e também com Penor Rinpoche. Me afastei do núcleo Shamballa, não tendo tido oportunidade de revê-lo. O que sei hoje é que ele dá continuidade ao legado de seu pai (Naropa Institute, Shamballa Meditation Centers), e, no final, aderiu pela continuidade de manutenção de andamentos e posições não-tradicionais em meio à obra de pai – tais posições estorvam o esforço pelas elevações.

 

Não sou extremista. Mantenho meus livros de Chogyam Trungpa e retenho seus ensinamentos tradicionais; cheguei a visitar mais algumas vezes, convidado por um amigo psicólogo, o Centro Shambala da Vila Mariana, São Paulo. Não sou roshi nem lama nem acharya, ok? Por minha experiência pessoal, meu testemunho é que nada tenho que desabone o núcleo de estudos Shambala nem seu ensinamento; entretanto, estando com eles, não me foi repassado nenhum ensinamento propriamente modernista, politicamente correto ou anti-tradicional e me foquei apenas em Budismo tibetano. E reconheço que minha interação é de uma porção de visitas, hoje, antigas - pois dos anos 90…

 

Os eventos havidos em Boulder/Colorado são de domínio público (pelo aspecto daquilo que é o Budismo Tibetano, poderiam ter sido evitados; outrossim, pelo aspecto de certos rumos e decisões do próprio Trungpa, sucedeu o que tinha plenas condições para ocorrer…).

 

A questão quanto à abertura e permissão por Trungpa de certos posicionamentos entre alunos ocidentais – britânicos e americanos – sem conexão com a busca natural e tradicional por uma vida interior-espiritual, tratar-se – uma tal liberalidade/generosidade – de responsável por alguma carga de negatividade ou mesmo kármica que tem alguma forma de correspondência com eventos estorvadores ou ruinosos nos projetos de Trungpa é meu ponto de vista pessoal, embora baseado em estudos dos documentos budistas e em meu esforço para compreender, como muitos, os resultados da Prática Espiritual.

 

Há, ainda, dificuldade por parte de alguns, em identificar de que modo negatividades nascem onde deveria haver, em princípio, um esforço contínuo por auto-conhecimento/auto-descobrimento e elevações.

 

Da perspectiva da Prática Espiritual, não há como chegar às elevações desligando os ensinamentos e posições que compõem/integram as suas fundações; por esse encaminhamento, convulsões e esvaziamentos são de esperar (o guru não tem como carregar sozinho, nas suas costas, tudo o que é decorrente da conduta pessoal de alunos, tampouco o que compete a cada um carregar por si próprio; por outro lado, se o guru falha, há a tendência de os alunos/discípulos tombarem junto com o mesmo).

 

No caso envolvendo Trungpa houve um postura otimista e confiante de sua parte para com os novos círculos de relações… e, também, uma aposta nos valores tântricos, mas, ao mesmo tempo, anulando algumas posições e ensinamentos milenares do Tantra [*].

 

Como já salientado aqui, muitos tibetanos, vindos de fora, não se aperceberam do declínio que se dá no Ocidente – afastamento das perspectivas tradicionais; envolvimento de alguns grupos com pesquisas/interação com forças obscuras; consolidação e continuidade das reduções e desvios refletidos, também, na alteração cultural (não sejamos cegos: a alteração cultural não prejudica nossa coexistência nem nosso convívio e respeito mútuo, mas prejudica a construção interior-espiritual que almeja elevações. Meu convívio com pessoas de diversas orientações – muitas delas infensas/hostis a posições tradicionais -, da parte que me concerne, é simples e normal).

É possível amizade entre nós; o que não é possível é repassar transmissões e posições tradicionais sem que as pessoas tenham em si mesmas posição para carregá-las adequadamente…

Em continuação, na prática, ninguém é obrigado a concordar ou transigir com posições tradicionais, mas a cultura que se dedicou integralmente às elevações e à Iluminação é a tradicional, não a moderna/pós-moderna, caracterizadas justamente por uma ruptura e  redução nas perspectivas para o homem…


[nota da nota: quem se der ao trabalho de se debruçar sobre os documentos tântricos hindús e budistas, verificará que o Tantra não valoriza nem avaliza condutas desprezíveis, sorrateiras, execráveis, vis ou iníquas, covardia e mesquinhez, e, não obstante a posição do Tantra contra restrições e o modelo ascético baseado em austeridades, o Tantra não valoriza, também, a crueldade, a depravação e a perversão.

 

No Tantra hindú os desenvolvimentos esperados são o Vira/Heroi e o Vidya/Divino; quanto aos Pashus (“animais”, para se referir a “homens-animais”) o esperado é que eles, encontrando engajamento/recrutamento no Tantra, não permaneçam como tais, mas alcancem esses dois desenvolvimentos; e no Tantra budista o desenvolvimento esperado é o Vajrasattva…]

 

 

O projeto Shamballa de Trungpa (ver: “Shamballa: A trilha sagrada do guerreiro”), é focado na abordagem psicológica – Trungpa desenvolveu um ramo secular do mesmo, objetivando dar condição a ocidentais que não querem tomar um hábito budista, se envolver com votos, vínculos ou compromissos religiosos; assim, no Ocidente, o Shamballa passou a ser desenvolvido em dois níveis: um espiritual remetendo a posições tradicionais e outro secular, desenvolvido no contato de Trungpa com o Ocidente.

 

Se podemos escolher e seguir nossa vocação e se nisto somos sinceros conosco mesmos, isto é uma grande coisa. Cada qual é livre para decidir o que é melhor para si mesmo. O método Shamballa é uma grande abordagem psicológica, propõe um percurso valioso (“a trilha sagrada do guerreiro”), mas, ao menos na sua versão secular – a que tive contato nos anos 90 – não é o Caminho Vajra [*].

 

Fundamentado na abertura e na redução das barreiras ou muralhas ego-superprotetivas/ego-separativas, o método pode conduzir, com o complemento das práticas meditativas, a uma melhoria e cura interior.

 

 

Nos EUA,  os alunos na ala secular – sem envolvimento com os compromissos do Budismo – já se dividiram nas sessões de prática – a pedido daqueles que comungam com posições e discursos da cultura hodierna -, no que foram atendidos.

Isto para mim não surpreendeu, nem considerei nenhuma novidade ou algo incrível.

 

Há uma tensão entre ensinamentos de nossa cultura e ensinamentos tradicionais budistas; Trungpa procurou atender seus alunos; o nível secular viabiliza a interação com aqueles com adesão a orientações não-tradicionais.

 

A questão é que, na via secular, em tendo de abrir mão ou adaptar os ensinamentos/preceitos – esses últimos sendo parte integrante dos processos objetivando elevações -, adentramos a rota do nível terapêutico, havendo comprometimento das elevações [**]…

 

[nota: (*) Não querendo se envolver com Budismo – ou com os vínculos e compromissos que isto implica -, não há, também, como receber as transmissões Vajrayana – salvo as práticas e/ou sadhanas introdutórias – , posto não haver cumprimento dos requisitos iniciais para receber as transmissões de modo adequado (a característica do Tantra budista sempre foi e tem sido um contundente treinamento preliminar – não apenas uma grande acumulação de estudos, mas de práticas preliminares objetivando formar uma tal estrutura que, tomando os votos samaya e avançando pelo Tantra, esse avanço possa culminar nos objetivos últimos do Vajrayana. Os votos samaya, por exemplo, não são um mero compromisso formal, que possa ser rompido ou adaptado, sem com isto haver reduções ou perdas. Realmente o Treinamento Vajrayana é para viabilizar as suas transmissões e o Vajrayana, de per si, é para quem o tem dentro de si mesmo (portanto, para quem “veste a camisa”)…

 

(**) Não estou, com essa informação, a impor o que quer que seja a ninguém –  isto não funciona. As pessoas são livres para escolherem o que entendem ser bom para si mesmas. De minha parte, não sou guru nem de mim mesmo; por outro lado, não me satisfaço com o nível da pura convicção. Não se sabe, em nenhuma grande tradição espiritual, de elevações/iluminação atingidas fora dos itinerários e construções informadas nos documentos tradicionais, onde seus expositores primam pelos escrúpulos e minuciosidade e a Base Ética é uma construção pessoal efetiva… ]