Relembrando a tragédia da ocupação chinesa do Tibet

02/05/2015 23:11

Relembrando a ocupação chinesa do Tibet

 

 

Em setembro/2014, pela terceira vez, em cinco anos, Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama - líder espiritual da linhagem Gelug do Budismo Tibetano, iniciada por Tsong Ka Pa -, teve visto de entrada negado pelas autoridades da África do Sul, por pressão oriunda de fontes da República Popular da China, a qual é o principal parceiro comercial da África do Sul.

 

Nesta última tentativa de visitar a África do Sul, o Dalai Lama pretendia comparecer às solenidades de entrega do Prêmio Nobel, contudo, para Pekim, posto o Dalai Lama tratar-se de “peça chave na articulação por alterações que anulam a estabilidade da Região Autônoma do Tibet”,  a África do Sul não deveria conceder-lhe o visto, pois a entrada da Dalai Lama poderia ensejar oportunidade para exposição ou pregação de cunho político.

 

O Dalai Lama, entretanto, não é mais o lider formal do Governo do Tibet no Exilio (não-reconhecido) desde 2011 - quando contava 76 anos de idade (hoje ele está com seus 80 anos) - sendo a posição passada para o acadêmico de Harvard, tibetano étnico nascido na Índia, Lobsang Sangay, o qual tem a missão de manter acesa a chama da Causa Tibetana sem a presença de seu principal e emblemático ícone.

 

(...)

 

A descontinuidade do sistema feudal e o estabelecimento do modelo implantado pelos chineses trouxe algumas melhorias materiais para os tibetanos; entretanto, melhorias materiais à parte, os étnicos chineses formam a “nova classe dominante” e abundam em Lhasa letreiros e placas grafados em mandarin (nas escolas é ensinado tibetano e mandarin até o ensino médio; no ensino superior prevalece o mandarin). É duro ser “cidadão de segunda classe” na própria terra. Entre os tibetanos, ao que tudo indica, os nativos abrigam em si - não obstante as melhorias materiais - o sentimento de se ver livres do predomínio chinês – ou, ao menos, ter mais autonomia e oportunidades na própria terra -; as autoridades chinesas associam e atribuem tal insatisfação dos nativos a ações do Dalai Lama.

 

(…)

 

Em 29 de novembro de 1997, num encontro entre Jiang Zemin e Bill Clinton - então, os respectivos presidentes de República Popular da China e Estados Unidos da América – Clinton declarou que os Estados Unidos não sustentam nenhum objetivo nas questões concernentes aos tibetanos, ao Budismo Tibetano e ao Dalai Lama, - ou seja: não se envolvem em questões políticas, territoriais e de soberania -, limitando-se alguma intervenção americana ao fomento de ajuda coordenativa quanto aos quesitos Liberdade Religiosa e Preservação da Cultura Especial Tibetana - entenda-se: o Budismo Tibetano e a religião nativa pré-budista Bon.

 

Em continuação, em julho de 2011, sob protestos da China, Barack Obama recebeu o Dalai Lama – na qualidade de líder espiritual mundialmente reconhecido - e reafirmou ambos os termos declarados por Bill Clinton: 1) reconhecimento da soberania chinesa e não-intervenção americana em temas como soberania e politica; e 2) solidariedade em relação a questões culturais e de identidade dos tibetanos.

 

(...)

 

Gostaria de apresentar agora, ao prezado leitor, mais alguma informação oriunda de um artigo do senhor I-Yao Bao - pois a leitura de seu artigo sobre a questão tibetana me motivou a  escrever este post -, que encontrei na internet, publicado em 2008.

 

O sr. I-Yao Bao é um bibliotecário de origem chinesa, radicado, então, há mais de 50 anos nos Estados Unidos; ele é também vinculado à Columbia University e figura diretamente ligada a interesses da República Popular da China nos Estados Unidos.

 

O sr. Bao teceu as seguintes observações, numa matéria intitulada “The truth about Tibet” ("A verdade sobre o Tibet"), a qual foi publicada e divulgada, posteriormente à publicação original (uns dez anos depois), no digesto Chinese American Forum - Volume XXIV, No. 1 - July 2008, o qual localizei na web:

 

o 14º Dalai Lama, com suporte estrangeiro, abriu dois escritórios em Washington DC e New York City, em nome do Movimento de Ajuda ao Tibet. Eles usam a religião como um pretexto para camuflar suas atividades políticas, publicar jornais, sustentar conferências de imprensa, monitorar eventos no Congresso, e exercer pressão sobre a administração Clinton. Através de dois anos de esforços, o Departamento do Estado americano anunciou, em 31 de outubro de 1997, o estabelecimento de uma Coordenadoria Especial de Assuntos Tibetanos.”.

 

O 14º Dalai Lama, exilado no estrangeiro por 40 anos, tem pouco conhecimento das grandes mudanças no Tibet. Escravos e servos tibetanos, anteriormente gemendo sob seu governo, se tornaram pessoas livres e o poder político, com o qual ele costumava governar o Tibet, tem sido substituído pelo Governo do Povo do Tibet. Como pode ele voltar sem poder político e o que poderia ele fazer? Ele não sabe que as mudanças são irreversíveis?”.

 

Em relação ao artigo supra, o sr. I-Yao Bao evita falar sobre os mortícínios e violações de direitos humanos realizados pelo Exército Popular de Libertação Chinês, em decorrência da necessidade de destruição da cultura tibetana - para viabilizar a transição - e também em resposta às insurgências havidas num grande levante decorrente da insatisfação e contrariedade populares contra a presença chinesa, a partir de 1959; as ações de retaliação foram cruéis e perduraram até 1961, desdobrando-se em destruição de mais de 6.000 mosteiros e assassinato de milhares de religiosos.

 

O sr. I-Yao Bao apela para dados estatísticos de crescimento anual da população tibetana, todavia, os números parecem não totalmente confiáveis.

 

Em continuação, a revolução maoísta destruiu por completo a “velha cultura” na China. Os comunistas chineses, guiados por Mao, adotaram uma postura fortemente pragmática mas, também, impositiva, coercitiva e, finalmente, totalitária em relação à sua posição com o socialismo materialista; não tinham qualquer apreço por qualquer posição atinente à religião/tradições espirituais em geral, tampouco pelo Buddhadharma, em particular.

 

O Exército Popular de Libertação invadiu Lhasa logo em 1951; nesse momento a revolução maoísta tinha pouco mais de 2 anos de existência e havia muitas coisas para resolver a nível doméstico – e, se se levar em conta as expressivas densidade demográfica e extensão territorial, mesmo sem o território do Tibet, da China, realmente havia muito que fazer para se preocupar com uma província de fronteira como o Tibet. A política isenta de preocupações sociais efetivas do último império Qing gerou as situações de miséria e estagnação social que foram o principal motivador a levar os camponeses/campesinato, a aderir à causa do Grande Timoneiro (Mao Tsé Tung), o qual formou uma coluna paramilitar; essa coluna paramilitar acabou tendo efeito dominó entre os camponeses chineses e foi engrossando suas fileiras até constituir uma massa humana em número suficiente para efetuar a revolução pela força; em continuação, com a queda do império, a primeira república nacionalista chinesa também não tomou as medidas saneadoras necessárias para evitar novas convulsões e colapsos (a China vinha sofrendo com a estagnação das condições de vida de sua população; na embaixada inglesa, por exemplo, havia uma placa com os dizeres “Proibido cachorros e chineses”; as promessas socialistas de Mao vieram a cair como uma luva [*]).

 

[nota: Antes de Mao iniciar a Grande Marcha, no ambiente urbano os socialistas chineses estavam desanimados e desiludidos da possibilidade de um levante armado; Mao Tsé Tung apostou, contra a teoria marxista de que a revolução não seria possível entre os camponeses - em decorrência de que, na Europa, os valores tradicionais e espirituais eram mais presentes/arraigados entre os habitantes do campo e havia resistências contra a perspectiva nihilista/materialista inerente ao socialismo. Ao contrário da teoria marxista clássica, a revolução socialista chinesa veio do campo para o meio urbano.].

 

Não tendo os chineses maoístas qualquer consideração por questões espirituais, fica a pergunta: o Tibet foi ocupado logo em 1951 e, então, por que os maoístas não efetuaram um aperto imediato, mais forte e mais contundente contra a cultura tibetana, implantando de uma vez o socialismo, ao invés da medida negociada?

 

O aperto mais forte/contundente - e maligno - contra os tibetanos e sua cultura já estava ocorrendo em dosagens - cruéis e traumáticas, não-arbitrárias (não foram decisões isoladas ou circunstanciais com excesso de uso de força por este ou aquele oficial), mas sistemáticas -, com a transição para a nova perspectiva – que implicava a anulação metódica, ordenada e efetiva da perspectiva anterior – as convulsões e retaliações ainda mais pesadas e agressivas se deram entre 1959-1961.

 

Não houve benevolência ou preocupações sócio-humanitárias dos chineses e, ao menos aparentemente, se o massacre não foi ainda maior e pior, a delonga disto foi decorrente, provavelmente, apenas da questão quanto aos custos operacionais, pois, em 1949, a recém-formada República Popular da China estava ainda estabelecendo as bases e colunas do novo regime; dispender mais recursos, imediatamente e além do planejado, e exercer uma pressão ainda mais forte sobre o Tibet, do ponto de vista operacional, seria imprudente, leviano ou anárquico. Vale lembrar que, em 1951, Lhasa foi invadida por uma força militar chinesa composta por 40.000 soldados, efetivo suficiente, nas condições minimais tibetanas, para intimidar e convencer qualquer oposição.

 

Em relação às matanças e violações de direitos humanos cometidas pelo Exército Popular de Libertação Chinês, remeto o leitor aos livros (dentre os que eu mesmo tenho comigo) “La cuestion del Tibet e El Imperio de la Ley” de autoria da Comissão Internacional de Juristas da O.N.U., bem como, também, ao dedicado capítulo 9, intitulado “Tibete: O Buda e a nova felicidade”, do renomado mitólogo Prof. Joseph Campbell, na obra “As Máscaras de Deus - Mitologia oriental” - Editora Palas Athenas, ambos contendo relatos e depoimentos de testemunhas oculares, nunca impugnados pelas autoridades chinesas – o relatório da Comissão Internacional de Juristas (utilizado também pelo Prof. Joseph Campbell) já começa, logo em seu primeiro capítulo, com a conclusão de genocídio dos tibetanos pela forças do Exército Popular de Libertação.

 

 

(…)

 

Os tibetanos se insurgiram contra os comunistas chineses quando sua cultura, seus símbolos e seus valores logo começaram a ser anulados, desmontados ou destruídos, além do autoritarismo e crueldade dos recém-chegados, uma vez que a ocupação havia sido, a princípio pacífica, pois pautada em negociações que decidiram:

  • pela aceitação da anexação do Tibet pela China,

  • pela descontinuidade do sistema feudal e implantação do novo sistema proposto pelos chineses,

  • pela manutenção de uma autoridade tibetana (o Dalai Lama e o Panchen Lama) em sua regularidade normal - uma das poucas condições a serem cumpridas pelos ocupantes chineses e expectativa maior das lideranças tibetanas -,

  • e, por fim, não-alteração e não-intervenção deletéria sobre as tradições espirituais tibetanas.

 

O que foi aceito por ambos os lados; porém, em pouco tempo, os comunistas começaram a mostrar para que fim se deslocaram ao Tibet, perpetrando arbitrariedades e violações contra uma cultura que já estava condenada pela autoridade chinesa desde a decisão da ocupação. Resta a observação que, na densamente populosa China, as autoridades socialistas embora preocupadas que “o trem social não descarilhe” (inclusive de sua tutela e controle) todavia, não fazem questão da importância da vida humana, as quais são apenas números, sendo as baixas/perdas humanas avaliadas também pela perspectiva da redução (benvinda) de custos.

 

O compromisso firmado pelos chineses de manutenção de uma autoridade tibetana e não-alteração das tradições espirituais revelou-se ser não mais do que cínicas, falsas e hipócritas promessas dos maoístas .

 

Os maoístas já haviam demolido/esmagado e anulado, em seu próprio território, não apenas as forças politico-militares de Chiang-Kai Shek mas as tradições taoísta, confucionista, budista, islâmica e cristã [*]; o Taoísmo remanesceu somente em seguimentos das ciências tradicionais milenares, continuadas por mestres e discípulos, como Tai Chi Chuan, Chi Kung, Kung Fu, Acupuntura, etc.; estes seguimentos de ciências tradicionais foram, então, aproveitados pelos comunistas somente na qualidade de medicina e artes marciais, vetada, porém, a possibilidade de correlacioná-las a identidades como “taoísmo” ou “tradição taoísta” - os ritos taoístas e confucionistas foram descontinuados e extirpados, remanescendo apenas em Taiwan, Hong Kong e adjacências do sudeste asiático, para onde comunidades étnicas chinesas haviam se deslocado, em fluxos migratórios, e fixado residência - todas as manifestações culturais e religiosas da “velha cultura” foram anatematizadas e proscritas pelo novo regime - a maior parte dos templos remanescentes foi reduzida, praticamente, à condição de meros museus para turistas.

 

Hoje, a estrutura de poder na República Popular de China está baseada num tripé, formado pela interação entre Partido Comunista, Militares e Professores Universitários - excluídos, mesmo hoje, os prósperos empresários de áreas como Shangai e Shenzen; por outro lado, correndo por baixo, há o crime organizado, as “Tríades Chinesas”, as quais se esconderam e se adaptaram à implantação do novo regime e garantiram sua continuidade e crescimento dançando, ao menos exteriormente, na fachada, conforme a música tocada pelos maoístas.

 

[nota: em termos de sobrevivência e continuidade dinâmica em meio ao regime comunista chinês somente o Islam conseguiu manter alguma autonomia e identidade verdadeiras – podendo por exemplo, frequentar o serviço espiritual nas mesquitas -, porém, na China, o Islam é apenas uma pequena minoria...]

 

O artigo do sr. Bao se esforça, reitero aqui, em evitar, em sobrepassar, em ocultar e/ou encobrir fatos que, se divulgados amplamente para a opinião pública, gerariam indignação e acarretariam um resultado, mesmo com o atual poderio material chinês, negativo para as políticas chinesa sobre o Tibet e sobre direitos humanos. I-Yao Bao se posiciona como um pragmático, como alguém interessado apenas num aspecto parcial da realidade, desde uma perspectiva prática, e ainda se servindo, quando necessário, - no objetivo de sustentar esta parcialidade -, de mentiras. Dados e estatísticas, como todos sabemos, podem se tratar apenas de números de amostragem:

 

Em 1950, um ano antes da "liberação pacífica" [negociada] do Tibet, haviam 300,000 monges e monjas (25% de 1.2 milhões de pessoas). Em 1996, haviam 46,000 monges e monjas (cerca de 2% de 2.45 millhões de pessoas). Este decréscimo de monges e freiras é decorrente de grandes mudanças nas condições sociais. Após 1951, famílias não eram mais forçadas a prover candidatos para serem monges e monjas. O povo desfruta a nova liberdade de escolher suas próprias crenças e se engajar em atividades produtivas [*]. O Palácio de Potala, e os Monastérios de Jokhang, Zhaibung e Sera estão abertos a todos.

 

 

[Nota: antes da anexação e da destruição que se seguiu da cultura tibetana, os tibetanos eram budistas, bonpos, algo entre ambas (Budismo e Bon ) ou, exceções à regra, nenhuma delas. Na República Popular da China não há liberdade de crenças nem para os próprios chineses - e quanto mais para os tibetanos. Exemplo notório é o caso da seita Falun Gong, a qual surgiu como um método terapêutico objetivando o cultivo da mente e do corpo e a saúde mental e moral – sem qualquer caráter religioso e, também, obviamente, apolítica– baseada, inicialmente, em cinco exercícios de Chi Kung. É verificável, também, nos ensinos e práticas Falun Gong, elementos do Taoismo, do Confucionismo, do Budismo chinês, além do Yoga. Chegou a ter 70 milhões de adeptos somente em solo chinês (em 1999 se fala em algo em torno de 100 milhões, somente na  China) e adesão de membros do governo, militares e das forças de segurança. No início permitida e até mesmo incentivada pelas autoridades, entretanto, setores do Partido Comunista - com Jiang Zemin à frente - enxergaram no avanço/expansão da Falun Gong um elemento cultural diferenciado do mainstream e que poderia estar induzindo os chineses para uma visão não integrada ao tripé político-cultural dominante (Partido Comunista-Militares-Professores universitários). A Falun Gong foi criminalizada pelos comunistas e brutalmente perseguida, sensivelmente na administração de Jiang Zemin, o qual determinou a sua erradicação e que pareceu querer reeditar medidas violentas usadas em outras oportunidades pelo aparato policial-militar chinês, agora contra os adeptos da Falun Gong  (enquanto a Falun Gong mesma seria uma "reedição" com vestes mais brandas da tradicional cultura chinesa milenar). Calúnias, prisões sem julgamento, torturas, aplicação de substâncias nocivas ao cérebro humano, extração de órgãos vitais de pessoas detidas e identificadas como membros da Falun Gong para venda no mercado negro e assassinatos – da aplicação de todas estas medidas impiedosas e cruéis  pesam acusações contra o governo chinês por aqueles que defendem a causa da Falun Gong... A Falun Gong estava trazendo os chineses de volta para sua origem, mas ela não soube - ou não se preocupou com - prevenir melhor,  a um nível suficiente/satisfatório ou seguro, numa sociedade em que o indivíduo e a vida humana são propriedade/permissões do Estado,  a reação demoníaca dos totalitaristas - talvez acreditaram  que informar não se tratar de um movimento de índole religiosa fosse suficiente (numa sociedade em que a religião é considerada nociva e criminalizada)...]

 

O texto do sr. I-Yao Bao termina mais brando, informando sobre algumas concessões (minimais, pois tudo o que os tibetanos fazem tem que ser informado e autorizado pelas autoridades comunistas) e melhorias materiais trazidas ao Tibet por conta de sua anexação à China.

 

(...)

 

Como budista eu vejo - e sinto em mim mesmo - as dificuldades passadas/suportadas pelo Dalai Lama com a Causa Tibetana, maiormente quando ele encabeçava a mesma. Hoje ele já está com 80 anos de idade e fez bem em afastar-se, em 2011, haja vista sua idade e sua posição na ordem Gelug.

 

Quando, no interesse da causa tibetana, ele se via na situação de não apenas ter que se posicionar em relação à R. P. China – que recusa não apenas qualquer negociação mas, também, o mero diálogo e exige renúncia integral de qualquer demanda/postulação ou pretensão em relação a um Tibet senão independente, ao menos com uma maior autonomia dos tibetanos em sua própria terra levando-s em conta a presença chinesa – o Dalai Lama, por força desse engajamento, tinha que se envolver com o mundo da política, com as escusas e desculpas, com as artimanhas e promessas sem cumprimento, com as muitas desistências e recuos por causa das pressões chinesas... tinha que se envolver com pessoas, não poucas vezes, com um nível ético muito abaixo daquele formulado pelo Buddhadharma e assim se expor, desviando, por causa da atividade política, de um engajamento mais profundo com as práticas e acumulações de mérito e sabedoria budistas. Se via também na posição de tentar abrir portas que a pressão chinesa não conseguisse fechar.

 

Figura pública notória e vendo-se na posição de ter que “abrir portas” (ao invés de fechá-las), em 1984 o Dalai Lama presidiu uma cerimônia budista no Japão, a pedido da seita Agon-Shu. Naquela ocasião encontrava-se presente o sr. Shoko Asahara (responsável pelo atentado com gás sarin no metrô de Tokyo, em março/1995 - o evento terrorista, porém, é posterior à formação de amizade entre o Dalai Lama, a seita Agon-Shu e Asahara). Também, o Dalai Lama estava pouco informado sobre a maneira de Asahara conduzir seu grupo pessoal no Japão [*]; ele não sabia, nos contatos que tiveram, inclusive na Índia (meditaram juntos), que o grupo de Asahara NÃO se tratava de um núcleo budista tradicional japonês (apesar dos conselhos repassados a Asahara pelo Dalai Lama) porém, assim como a Agon-shu - a qual tem em seu corpo de ensinamentos modificações que são desvios doutrinais flagrantes e significativos - uma complicada seita (na acepção negativa da palavra “seita” - envolvendo desvio doutrinal, deificação do líder e fanatismo - já que, no âmbito japonês, a palavra “seita” pode significar apenas “escola” ou “seguimento”).

 

[nota: Asahara se engajou, em 1986, numa busca por realização espiritual, deslocando-se à Índia e, uma vez lá estando, à região dos Himalaias onde teve contato com mosteiros budistas; por lá voltou a rever o Dalai Lama, o qual recebeu sua visita e formou alguma amizade entre ambos (na verdade, o Dalai Lama ciente da situação decaída de algumas seitas budistas japonesas, tentou trazer Asahara para um posicionamento melhor com o Buddhadharma); praticou Yoga, técnicas taoístas e budistas e teve contato, também, com o Shaivismo, tendo realizado alguns siddhis (faculdades supranormais) como o da levitação (evento comprovado). Alega ter atingido alguma forma de samadhi que interpretou corresponder a uma altíssima elevação. Do ponto de vista budista (e também hindú), se uma elevação espiritual altíssima é atingida, efetiva e verdadeiramente, a busca cessa (ou cessa como nós imediatamente a podemos perceber, pois passa a se postar ao nivel da elevação alcançada). Ainda, desde o ponto de vista budista, todos os líderes de seitas que se vêem a si mesmos como deuses, gurus supremos, avatares, iluminados etc, estando na perspectiva de um "eu" que é apenas uma auto-apreciação ("eu sou isto", "eu sou aquilo", "eu sou ninguém", "eu sou um grande iluminado") estão na perspectiva egotista/egóica, portanto enfermos, no erro e não iluminados. Curiosamente, Asahara ao invés de “descansar” ou permitir os desdobramentos espontâneos de sua experiência - os quais, em se tratando realmente de uma elevação espiritual autêntica, legítima, deveriam ser desdobramentos sadios, benignos - , não encerrrou a busca mas passou a interessar-se, primeiro pelo Apocalipse de São João e, em continuação, pela obra de Nostradamus. Os ensinamentos cristãos de Asahara não eram ortodoxos nem tradicionais, mas propriamente inclinados, imbuídos do estilo messiânico (Cristo se forma dentro das nossas almas como o Menino Jesus, não como "Messias" - a imagem do Menino Jesus com os santos se trata de uma realização espiritual  alcançada; adentramos, vamos penetrando e crescendo  na realidade crística e ela vai nos direcionando ao nosso verdadeiro lugar/posição, sem necessidade de intervenções ou manifestações egotistas/egóicas). Quanto a Nostradamus, não tenho muito o que dizer, por não ser o universo espiritual que eu formulo - prefiro a ortodoxia/tradição sem pretensões messiânicas/avatáricas (e embora Nostradamus me despertasse alguma curiosidade - por sinal, aquela verificável, também, nas demais pessoas). Asahara estava em boa posição com vários representantes do Budismo Tibetano face seu interesse espiritual e preocupação com os refugiados tibetanos. A "mistureba" de Asahara parece ser a responsável por seu colapso - no meio de sua "MISTUREBA" deve ter havido algum(ns) componente(s) ou "alimento" ruim, fake ou estragado. A “quebra” - ou queda - de Asahara começa a apresentar seus sinais exteriores justamente neste período com preocupações proféticas, que é quando ele começa a fazer profecias de cunho próprio e achar-se uma espécie de avatar, altíssimo guru ou deus... Após o atentado, preso e julgado, ele foi condenado à pena de morte. O Japão não informa as datas das execuções capitais e, em princípio, Asahara encontra-se em reclusão por tempo indeterminado...]

 

 

O Judaísmo ensina, com veracidade e palavras simples, que “a opressão faz enlouquecer até o sábio” (Livro Eclesiastes, 7:7). Segundo o governo chinês prevalece quem é mais forte e mais influente. Segundo o Judaísmo, a verdadeira sabedoria, todavia, termina por vencer a força (Livro Eclesiastes 9:13-16).

 

A preparação de uma dalai lama é especial, incomum, mas o homen Tenzin Gyatso não é um “super-homem” como alguns supõem, mas um ser humano passível de também sentir dor, tristeza, frustração, etc – uma vez que, ainda que munidos de formação e treinamento especiais, ele e outros mestres tibetanos também têm entranhas como todos nós [*].

 

Quem está engajado com a causa tibetana tem que lidar com o lodaçal que muitas vezes pode ser encontrado nos circuitos e meandros da politica - além do pesadelo da prepotência e arrogância chinesas.

 

Vendo muitos tibetanos fortemente envolvidos com a causa do Tibet, o conselho espiritual/ético da Bhagavad Gita sobre o Karma Yoga (capítulo 3) é apropriado na situação de pessoas que não lutam apenas por causas políticas: agir da melhor maneira possível, fazer o melhor que nossas mãos possam, sem se prender à expectativa de resultados (venham os mesmos favoráveis ou desfavoráveis), sem deixar a perspectiva de resultados tomar conta do coração, ao ponto de turbá-lo e desviá-lo/embotá-lo para a perspectiva metafísica, transcendente ou superior.

 

[nota pessoal: só Buddhas encarnados, manifestando plenamente a iluminação alcançariam a condição que algumas pessoas supõem que já esteja manifesta nos mestres tibetanos. Os chineses informaram encontrar buddhas vivos no Tibet. O Buddhato e o Nirvana são formados em nós. Podem então estar latentes ou subsistir juntamente com o karma de uma existência social? Sim... É o que acontece não apenas em relação ao Budismo Vajrayana, mas em todo o processo espiritual verdadeiro... ]

 

 

O Prof . Joseph Campbell recolheu alguns depoimentos de testemunhas oculares no seu livro “As Máscaras de Deus – Mitologia Oriental”, capítulo 9 – Editora Palas Atenas; esses depoimentos fazem parte dos relatórios reunidos pela Comissão Internacional de Juristas. Transcrevo uma parte deles aqui:

 

 

Um monge de trinta e sete anos, que fugira de Thrashak, aldeia Nyarong, para o Nepal, testemunhou que em março de 1955 todas as pessoas de sua aldeia, inclusive os monges, foram convocadas para uma reunião e interrogadas sobre onde seus chefes haviam conseguido suas fortunas e se eles as tratavam mal.

 

A resposta foi que ninguém tinha sido maltratado e que não havia queixas dos líderes.

 

Na reunião, os chineses requisitaram as armas e munições. 

Então, perguntou-se aos monges que tipo de colheitas, propriedades e bens eles tinham e quem eram os bons e maus líderes. 

A resposta foi que seus líderes eram bons e os tratavam bem.

Os chineses então disseram aos monges que eles eram todos corrompidos e que deveriam casar-se.

Os que recusaram casar-se foram mandados para a cadeia e ele próprio viu dois lamas, Dawa e Naden, que estavam entre eles, crucificados com pregos e abandonados à morte.

 

Um lama chamado Gumi Tsering foi perfurado na coxa com um instrumento pontudo como um furador da grossura de um dedo. Ele foi torturado dessa maneira porque se recusou a pregar contra a religião.

 

Os chineses chamaram seus companheiros lamas e monges para carregá-lo. Eles participaram da tortura e ele morreu. Não se sabe se foram forçados a fazê-lo.

 

Depois disso muitos monges e aldeões fugiram.

 

Até onde sabe o informante, nenhum monge concordou em casar-se e ouviu dizer que outros doze tinham sido crucificados.

As crucificações eram realizadas nos mosteiros e ele soube delas porque fugitivos voltavam a noite para saber o que estava acontecendo. [...]

 

Eles viram muitos chineses dentro do templo, para onde também levavam seus cavalos.

 

Os chineses levaram também mulheres para ali, mas os monges recusaram-se a possuí-las. Eram mulheres khamba, levadas em grupos por chineses armados.

 

As escrituras foram transformadas em colchões e também usadas como papel higiênico.

 

Um monge de nome Turukhu Sungrab pediu aos chineses que desistissem e seu braço foi cortado acima do cotovelo. Disseram-lhe que Deus lhe daria de volta o braço. Os chineses lhe disseram que a religião não existe e que sua prática era o desperdício da vida e do tempo da pessoa. Por causa da religião as pessoas não trabalhavam.

 

(...)

 

Um agricultor de cinqüenta e dois anos, de Ba-Jeuba, ao ouvir um alvoroço na casa do irmão, olhou pela janela e, em suas próprias palavras, "viu os gritos da esposa de seu irmão serem sufocados com uma toalha. Dois chineses seguraram-lhe as mãos e outro estuprou-a; em seguida, os outros dois, cada um por sua vez, a estupraram e foram embora".

 

(...)

 

Em 1954 quarenta e oito bebês daquela aldeia, com menos de um ano de idade, foram levados para a China, porque, disseram os chineses, assim seus pais poderiam trabalhar mais. Muitos pais suplicaram aos chineses que não levassem os bebês. Dois soldados e dois civis com alguns colaboradores tibetanos entraram nas casas e tomaram os bebês dos pais à força. Quinze pais que protestaram foram jogados no rio pelos chineses e um se suicidou. Todos os bebês eram de classe média e alta. [...]

 

Os filhos eram estimulados a submeter os pais a injúrias e a criticá-los se não se sujeitassem aos costumes chineses. A doutrinação tinha começado.

 

Um jovem doutrinado viu o pai com um moinho de orações e um rosário e se pôs a chutá-lo e maltratá-lo. O pai começou a bater no garoto, que lhe devolveu os golpes e algumas pessoas vieram fazê-los parar com aquilo. Três soldados chineses chegaram e impediram que as pessoas interviessem, dizendo-lhes que o garoto tinha pleno direito de fazer o que estava fazendo. O garoto continuou a maltratar e a golpear o pai, que ali mesmo se suicidou, jogando-se no rio. O nome do pai era Ahchu e o do filho Ahsalu, de dezoito ou dezenove anos. [...]

 

(...)

 

Em 1953, esse mesmo informante foi chamado para testemunhar a crucificação de um homem de uma família abastada, em sua aldeia de Patung Ahnga.

Uma fogueira foi acesa por baixo do homem e ele viu a carne queimar. 

Ao todo vinte e cinco pessoas das classes abastadas foram crucificadas e ele assistiu a todas as execuções. Quando deixou o Tibete, em janeiro de 1960, a luta ainda continuava em Trungyi. [...] 

 

A esta altura os mosteiros daquela região tinham deixado completamente de existir enquanto instituições religiosas. Estavam sendo usados como alojamentos dos soldados chineses e os andares inferiores eram usados como estábulos. 

 

Algum tempo depois de as crianças terem sido enviadas para a China, ele viu vinte e cinco pessoas assassinadas em Jeuba com pregos enfiados nos olhos. Novamente o povo foi chamado para testemunhar. Eram pessoas de classe média e os chineses disseram que aquilo estava sendo feito porque elas não estavam no caminho do comunismo, pois haviam expressado sua relutância em colaborar e em enviar os filhos à escola. 

 

(...)

 

"Em 1956 os chineses cercaram o mosteiro Litang enquanto se realizava uma cerimônia especial, e a testemunha (um nômade de 40 anos, de Rawa, situada a um dia de viagem), assistia à cerimônia dentro do mosteiro junto com outros forasteiros. 

Os chineses disseram aos monges que havia apenas duas vias possíveis: o socialismo e o antigo sistema feudal. 

Se eles não entregassem toda sua propriedade ao socialismo, o mosteiro seria inteiramente destruído. 

Os monges recusaram-se. [...] 

Durante sessenta e quatro dias, com a testemunha ainda dentro, o mosteiro permaneceu cercado. 

Os chineses atacaram os muros e os monges lutaram com lanças e espadas. 

No sexagésimo quarto dia aviões bombardearam e metralharam o mosteiro, atingindo os prédios anexos mas não o templo principal.

Naquela noite, cerca de dois mil monges fugiram e mais ou menos dois mil foram presos. [...]

 

" Um lama foi crucificado, outro morto queimado, dois outros baleados e feridos — um lançado em água fervendo e estrangulado e o outro apedrejado e golpeado na cabeça com um machado.

 

(...)

Um chefe de aldeia de Ba-Nangsang foi mandado para Minya a fim de ver o que acontecia com as pessoas que se opunham à reforma. 

 

"Um homem chamado Wanglok foi preso e levado a um grande salão onde tibetanos foram obrigados a presenciar o que acontecia. Mendigos que se tinham tornado soldados do exército chinês golpearam-no com varas e despejaram água fervendo em sua cabeça. Ele então admitiu possuir nove carregamentos de ouro (que jamais apareceram, diz a testemunha). Ele foi amarrado e pendurado pelos polegares e dedões dos pés. Queimou-se palha embaixo dele e interrogaram-no sobre o paradeiro do ouro. Um prego de cobre incandescente, de uns 3 cm de comprimento foi então enfiado em sua testa. Em seguida foi posto em um caminhão e levado embora. Os chineses disseram que o tinham levado para Pequim."

 

Os pés do lama Khangsar, o abade de Litang, foram algemados juntos e uma estaca foi atravessada sobre seu peito e braços. "Então amarraram-lhe os braços, com um arame. Ele foi pendurado com uma pesada corrente em volta do pescoço e enforcado, apesar de as pessoas suplicarem por sua libertação. O uza (recitador de orações) foi preso, despido e queimado nas coxas, peito e nas axilas com um ferro incandescente de mais ou menos dois dedos de espessura. Isso foi feito por três dias, com aplicações de ungüentos entre uma sessão e outra. Quando a testemunha partiu, após quatro dias, o uza ainda estava vivo."

 

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No mosteiro Sakya, perto de Sikkim, arrancaram o cabelo, em público, à mãe da mulher de um lama Nyngmapa (linhagem dos Bonetes Vermelhos, na qual os religiosos se casam). 

 

Em Derge Dzongsar a filha de um chefe de aldeia, de aproximadamente 40 anos, foi primeiro maltratada como exploradora do povo; depois, com a boca cheia de capim, foi arreada e selada e a ralé montou em suas costas, fazendo-a andar de quatro; em seguida, os chineses fizeram o mesmo. 

 

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Em uma aldeia da província de Amdo, Rigong, onde as pessoas estavam reunidas para ver seus líderes serem mortos, "um homem foi baleado por etapas, de baixo para cima, em nove etapas ao todo. A um outro homem perguntou-se se preferia morrer de pé ou deitado. Ele preferiu de pé. Abriu-se uma cova e ele foi colocado dentro. Em seguida, a cova foi coberta de terra e socada. E continuaram socando, mesmo depois de ele já ter morrido, até seus olhos saltarem da cabeça e serem então cortados pelos chineses. Quatro outros foram obrigados a relatar as culpas de seus próprios pais, que eram devotos da religião etc., para em seguida serem mortos com tiros na cabeça. Como seus miolos se espalharam, os chineses os chamaram de flores vicejando".

 

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"Que uma centena de flores viceje", escreveu Mao-Tsé-Tung, "e que se enfrentem uma centena de doutrinas de pensamento."

 

"Identidade, unidade, coincidência, permeação recíproca, interpenetração, interdependência (ou interdependência para existir), interconexão ou cooperação — todos estes diferentes termos significam a mesma coisa e se referem às duas condições seguintes: primeiro, no processo de desenvolvimento de uma coisa, cada um dos dois aspectos de cada contradição encontra a pressuposição de sua existência no outro aspecto e ambos os aspectos coexistem em uma entidade; segundo, cada um dos dois aspectos contraditórios, de acordo com as condições dadas, tende a transformar-se no outro. É isso o que se quer dizer com identidade."

 

"A revolução agrária que realizamos já é e será um processo no qual a classe dos latifundiários se torna uma classe privada de suas terras, enquanto os camponeses, antes privados de suas terras, se tornam pequenos arrendatários. Os 'ter e não ter', ganhos e perdas, estão interligados por causa de certas condições; há identidade dos dois lados. Sob o socialismo, o sistema de propriedade privada dos camponeses tornar-se-á, por sua vez, a propriedade pública da agricultura socialista; isso já ocorreu na União Soviética e ocorrerá em todo o mundo. Entre a propriedade privada e a propriedade pública há uma ponte que liga uma à outra, que em filosofia se chama identidade, ou transformação uma na outra, ou permeação recíproca."

 

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Na região de Amdo, também em Rigong, arrancaram o cabelo, em público, a três lamas muito importantes; tiraram seus sapatos e eles foram golpeados e depois forçados a se ajoelhar no cascalho. "Perguntaram-lhes: "Pelo fato de serem lamas, não sabiam que seriam presos?' Três poços foram abertos e os lamas colocados dentro deles. Os presentes foram obrigados a urinar sobre suas cabeças. Os chineses, então, convidaram os lamas a sair dos poços. Em seguida, foram levados para a cadeia e algemados juntos nos pescoços e forçados a carregar excrementos humanos em balaios." 

 

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Um homem de vinte e dois anos, de Doi-Dura, na região de Amdo, foi informado pelos chineses de que necessitava de tratamento para tornar-se mais inteligente. Os chineses naquela época diziam aos tibetanos que eram uma raça estúpida inferior que teria de ser suplantada pelos russos e chineses. Fizeram exames de sangue desse homem, de sua mulher e muitos outros e há uma série de relatos coincidentes de muitas partes do Tibete detalhando o tipo de operação a que esse homem e sua mulher foram forçados, no dia seguinte, a se submeter. Ambos foram levados a um hospital. "Ele foi totalmente despido, colocado numa cadeira e seus órgãos genitais foram examinados. Em seguida o submeteram a um exame digital do reto e o dedo foi movimentado. Ele então ejaculou um líquido esbranquiçado e uma ou mais gotas caíram em uma lâmina de vidro que foi levada embora. Depois, um longo instrumento pontudo com cabos como os de tesoura foi inserido na uretra e ele desmaiou de dor. Quando se recuperou os médicos lhe deram um comprimido branco, dizendo-lhe que ia dar-lhe forças. Aplicaram-lhe então uma injeção na base do pênis, onde ele se une ao escroto. A agulha causou dor, mas a injeção não. Ele sentiu a região momentaneamente anestesiada até a agulha ser retirada. Ficou dez dias no hospital e depois um mês de cama em casa. [...] Ele estava casado há apenas dois anos e antes desse tratamento tinha fortes desejos sexuais. [...] Depois disto, eles desapareceram totalmente. [...]"

 

Enquanto isso, sua mulher "foi despida e amarrada. Suas pernas foram erguidas e abertas. Inseriram-lhe na vagina algo muito frio e que lhe causou dor. Ela viu uma espécie de balão de borracha com um tubo de borracha, cuja ponta foi inserida na vagina. O balão foi apertado e ela sentiu algo muito frio dentro de si. Não lhe causou dor, pois apenas o tubo e não o balão foi inserido. Ela permaneceu consciente o tempo todo. Então foi levada para a cama. O mesmo procedimento foi realizado todos os dias durante uma semana. Depois disso, foi para casa e permaneceu de cama por mais ou menos três semanas". A partir daí não teve mais nenhum desejo sexual nem menstruou.

 

 

"O oficial do distrito de Tuhlung fugiu e foi capturado dois dias depois. Cortaram-lhe os lábios, o amarraram e o levaram nu de volta para Tuhlung. Os chineses não estavam satisfeitos com o ritmo de sua marcha; como era um homem gordo, não conseguia caminhar muito rapidamente e era espetado com baionetas para caminhar mais depressa. A testemunha viu-o coberto de ferimentos de baioneta. Os chineses amarraram-no a uma árvore e convidaram os tibetanos a bater nele, acusando-o de crueldade. Disseram-lhes que não o matassem com os golpes, pois isso o beneficiaria. [...] Na verdade, ele foi golpeado pelos chineses e morreu depois de oito dias. Seus lábios foram cortados quando ele suplicou para ser morto em vez de torturado."

 

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E finalmente — apesar de os relatos serem inúmeros — havia um nômade de 49 anos, antigamente proprietário de vinte ou trinta iaques e que vivia em tendas, que viu dois de seus companheiros queimados vivos em público. 

 

Depois viu todas as pessoas abastadas da região de Kham serem executadas e, em seguida, os lamas e os monges. Estes últimos foram tirados dos mosteiros do distrito e cerca de mil foram executados em público. 

 

O informante viu-os claramente de uma montanha onde estava escondido. "Viu quatro serem estrangulados com uma corda da qual pendia uma pesada imagem do Buda. [...] E ele viu Dzorchen Rimpoche, um dos mais famosos lamas do Kham, amarrado a quatro estacas e inteiramente eviscerado. A acusação contra os lamas era que enganavam e exploravam o povo." 

 

Em Doi, na região de Amdo, em 1955, os monges "foram levados para as lavouras, encangados aos pares, para puxarem o arado sob o comando de um chinês que empunhava um chicote".

 

 

 

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