1. Budismo moderno ou neobudismo? Nihilismo e distorções no Budismo Ocidental.
- I -
APRESENTAÇÃO.
Há apontamentos da vida do Buddha Shakyamuni[*] cujo conteúdo consiste em matéria de cunho sobrenatural e/ou religioso e que não podem ser comprovados de maneira a satisfazer alguns critérios da mentalidade moderna, sendo objeto de boa-fé e confiança - razão pela qual, ao menos para algumas mentes ocidentais, a menção de tais apontamentos pode comprometer a “clareza e a objetividade” na exposição filosófica e transmissão do Buddhadharma no Ocidente - uma religião caracterizada, justamente, pela exatidão das suas exposições -, devendo tais apontamentos serem omitidos, evitados e mesmo descartados - subentendendo como desnecessária a posição de “religiosos e poetas” (como eu, por exemplo, que pareço ser um pouco das duas coisas) em insistir na manutenção, dentro da exposição do Buddhadharma, daquilo que não pode ser “historicamente comprovado”.
[Nota: esta situação se repete, constantemente, no Budismo tradicional: com a biografia de Nagarjuna (o qual foi não apenas o filósofo madhyamika e abade do universidade monástica de Nalanda, mas alquimista e tântrico, se falando nalguns meios eruditos em dois Nagarjuna) e Asanga (sua conexão com o Buddha Maitreya e as situações envolvendo sua iluminação); e, ainda de forma mais contundente, em relação às biografias de Padma Sambhava e dos Mahasiddhas, de Marpa, Milarepa e Longchenpa, além de Yeshes Tsogyal - dentre os mais conhecidos -, uma vez que há menção plena de fatos envolvendo a contrapartida dos ritos do Vajrayana (Kalachakra, Hevajra, Mahamudra, Chakrasamvara, Mahavairocana, Guhyasamaja, etc.), observado que tais ritos não são transmitidos, via de regra, sem treinamento preliminar em metafísica, psicologia e ética buddhistas, além das práticas para purificação/purgação (sadhanas com recitações mântricas e oferendas de mérito)... ]
Em continuação, além do livre curso em algumas sanghas - sem refutação nem moderação - desta modalidade de crítica modernista, no Ocidente ainda pode ser encontrado em meios budistas a convivência com a circulação de erros doutrinais como a ideia de reencarnação - impugnada pelo Buddha Shakyamuni, o qual reafirmou a Originação Dependente/Pratityasamutpada bem como a designação expositiva de um tal processo pela palavra 'Renascimento' ao invés de 'reencarnação', o qual pode implicar, para muitos no Ocidente, a ideia biológica e a ideia da presença de um 'eu' através dos agregados psicofísicos (skhandas) -; por fim, nalguns casos, também pode ser encontrado no Ocidente a circulação e adição de ideias antiteístas e/ou ateístas [*].
Ser budista, porém, significa se posicionar, na pesquisa interior/espiritual, desde o ponto de vista da realização do estado de Buddha, portanto, lidando com a perspectiva da realização espiritual como possibilidade real de elevações e iluminação/liberação - uma vez que o Buddhadharma não é agnóstico -; e tendo como fundamento não alguma posição materialista ou nihilista mas, antes, a posição com a perspectiva Não-Dual. Os conceitos budistas de Shunyata (vacuidade), Nirvana e Clara Luz são, ao menos em princípio, neutros - assim como o é o Brahman impessoal no contexto hindú.
[nota: ser budista não significa ser antiteísta tampouco ateísta: o Buddha Shakyamuni, embora tenha refutado a perspectiva dualista (por insuficiente - e limitadora - para o descobrimento interior/espiritual objetivando a Paramartha Satya (Verdade Transcendental ou Final), nunca pregou nem a irreligião, nem o ateísmo nem o anti-teísmo.
No cânon páli, livros “Digha Nikaya” (páli = Discursos longos) e "Majjhima Nikaya" (páli = Discursos médios), por exemplo, temos Digha Parajana, o qual trata-se de um yaksha, regente de uma hoste de yakshas e amigo do Buddha (cf. Majjhima Nikaya 31:21 e Digha Nikaya 32:10); o Buddha Shakyamuni, na sua jornada terrena, nunca advogou a abolição do culto aos Yakshas - pelo contrário, recomendou a sua manutenção (ver Majjhima Nikaya 31:21) -, nem de qualquer outra forma legítima de culto ou religião. À guisa de informação, na narrativa contida no livro Jataka/Histórias de nascimentos como bodhisattva do Buddha Shakyamuni, no volume I, capítulo 38, “Bala Jataka” (O Jataka da Garça), o Tathagata renasceu como "um espírito que residia em uma grande árvore" (cf. a tradução de Robert Chalmers no www.sacred-texts.com) ou seja: um yaksha.
O fato é que o Budismo, nascido na Índia, não rejeita nenhuma divindade informada pelo Hinduísmo – a Trimurti, as Dez Mahavidyas, Indra, Yama, Prajapati, os yakshas, etc., tampouco as informações espirituais-metafísicas contidas, por exemplo, nos Puranas hindús.
Certo é que a pesquisa budista se dá ao nivel das Quatro Nobres Verdades e das Duas Verdades (Paramartha Satya/Verdade Transcendental ou Final e Samvritti Satya/Verdade Relativa ou Condicionada); na prática, no primeiro caso temos a orientação pela pesquisa interior-espiritual e no segundo caso, a pesquisa da Realidade Condicionada avançando até a pesquisa da Realidade Última (no caso budista, a pesquisa da Paramartha Satya/verdade Transcendental).
A Questão Teísmo e Budismo se equaciona na “Tomada de Refúgio”. Tornarei a esses assuntos no correr do post.
O Ateísmo Ocidental tem se desenvolvido com algumas variações. O Ateísmo de origem indiana, entre os seus caminhos, tem o Charvaka (análogo a uma das configurações do Ateísmo Ocidental) e o Jainismo (o qual, em alguns aspectos importantes, tem fortes paralelos com o Catarismo); segundo o Charvaka, todo a proposta de posições e considerações que ultrapassam os cinco sentidos é enganação e fraude; nesse caso, levando em conta a ponderação do Charvaka, se os Yakshas não existem, por que o Buddha Shakyamuni recomendaria aos indianos a manutenção do seu culto? E não apenas os Yakshas são reconhecidos pelo Buddha: as muitas classes de Maras e de Devas... Aqui no Ocidente muitos rejeitam a possibilidade da existência de anjos e demônios.
Em relação à Trindade cristã, é necessário, para uma comparação com as outras grandes tradições espirituais, se valer dos recursos de Religiões Comparadas: nessa perspectiva, a Trindade cristã deve ser comparada ao Trikyaya budista ou ao Sat-Chit-Ananda hindú (ao invés da Trimurti - Brahma, Vishnu, Shiva).
O Buddha Shakyamuni esclareceu que a iluminação é possível e é o Estado Final, a Liberação (Moksha ou Kaivalya); refutou e impugnou erros doutrinais e espirituais (como o Charvaka e o Jainismo)...]
Também é possível constatar em circulação nalgumas sanghas:
- a formulação que consiste na redução psicologista de alguns ensinamentos budistas;
- além da redução psicologista, também a utilização do amesquinhador - e analogamente redutor - argumento culturalista, não apenas em relação ao Vinaya mas também em matéria de doutrina metafísica, o que denota haver rejeição - por parte dos budistas ocidentais que o validam - aos ensinamentos budistas, especialmente em relação àqueles com equivalência aos que podem ser encontrados em outras tradições espirituais [*]. Desconhece-se qualquer explanação budista tradicional impugnando, por exemplo, a informação espiritual/metafísica contida nos Puranas ou, então, revisando/corrigindo a própria informação budista quando os ensinamentos não avalizam o materialismo/secularização - bem como a tirania cultural e as distorções - de nossa cultura ocidental atual.
[nota: os ensinamentos budistas se dão em diversos níveis - sutra, abhidharma, tantra -, com expositores de escolas tão diversas, como Buddhaghosa e Harivarman, Nagarjuna e Aryadeva, Asanga e Vasubandhu, Shantideva, Chandrakirti, os buddhas Padma Sambhava, Amitabha, Vairocana e os Siddhas.]
O Budismo Ocidental, nalgumas sanghas, incorre se tornar um Budismo eivado de posições nihilistas, desviado da observação de ensinamentos milenares (cuja validade tem sido confirmada, geração após geração, no Oriente), a fim de agradar e se adaptar ao temperamento/disposição dos homens de nosso tempo e cultura, bem como a adesão/validação por essas sanghas do que é desvio e/ou nihilismo. [*]
[nota: nem em meu período anterior como católico, nem em todos esses anos como budista, nunca passou pela minha mente que alguém é/está obrigado a fazer o que eu faço ou a acreditar no que eu mesmo acredito ou a aderir aos valores da minha adesão pessoal ou ainda a fazer/acreditar/aderir ao que quer que seja oriundo de quem quer que seja. A mim sempre pareceu que cada um tem as suas crenças, convicções, motivos, razões e valores de acordo com suas peculiaridades pessoais (criação, formação cultural, eventos da vida pessoal, realidade estrutural interna), sendo pretensiosa e descabida a imposição de qualquer verdade secular ou espiritual...
Nossa cultura atual, "aberta" e moderna é não apenas anti-tradicional, é também desfavorável e hostil à co-existência da pluralidade de posições; procura impor, por decreto, a sua visão peculiar de como deve ser encarado o mundo e em quê devemos - e mesmo em quê podemos - acreditar ou não, bem como quais valores podemos e devemos sustentar ou não...
Também, nunca passou pela minha mente que alguém esteja/seja obrigado a sofrer sanções, repreensões, ostracismo ou rejeição social por sustentar valores ou opiniões diferenciadas, divergentes ou dissonantes. Sempre acreditei - e continuo acreditando - que cada um tem a sua própria vida e que podemos, senão conviver, ao menos co-existir pacificamente, com nossos pontos de vista diferenciados. De fato, há alguns que detestam esta posição e perguntam se, em determinados casos, "temos então que nos odiar civilizadamente?". Se um ser humano não se convencer por argumentação idônea e fundamentada e se não mudar a sua posição, em princípio errônea ou equivocada, desde dentro, a pressão externa (argumentativa ou coercitiva) não conseguirá alterar o ponto de vista da tal pessoa; a meu ver temos de respeitar Direitos Civis, o que é realmente o mínimo, porém:
1) um mínimo mais legítimo que a tirania de um idealismo absolutista que não aceita opinião contrária ou divergente,
2) a tirania estatal - nalguns casos, também policial - ou, ainda,
3) a miséria/doença terrorista;
Esse "mínimo" vale mais que as posições (e pretensões) convictas e/ou absolutistas, fanáticas e/ou extremistas, porque há o respeito às Liberdades e Direitos Civis Fundamentais.
Com efeito, a Liberdade é a verdadeira questão importante, a questão crucial. Cometer crimes por causa de convicção ou crença elimina, viola o direito essencial do outro a ser/existir e de livremente considerar as posições (liberdade de consciência); entretanto, a Liberdade é molestada na atitude de, meramente, imputar como crime "o que não concorda comigo" - essa direção é para onde nossa cultura atual está rumando...
Sem Liberdade e Pluralismo o que temos é um confinamento cultural, o qual pode ter desdobramentos tirânicos.
A proibição coercitiva do ponto de vista diferenciado, divergente ou dissonante se trata, na verdade, de um rebaixamento da condição humana. Um tem direito não apenas a defender, sem ser molestado, aquilo em que acredita - seja lá o que for -, mas também de impô-lo aos demais, execrando e passando por cima de qualquer argumento divergente ou dissonante, mesmo que fundamentado... mas o outro não... e ainda incorre ser molestado e/ou vilipendiado socialmente ou sofrer restrições civis...
Por esse desenvolvimento, oscilamos entre a imposição e o extremismo...]
- a ideia de que a moralidade budista pode ser adaptada aos tempos modernos para receber posições que o Buddhadharma, milernamente, não tem recomendado nem recebido como posições que podem ser validadas e integrar, normal e irrestritamente, a conduta recomendada aos budistas, em detrimento e desconsideração do que consta dos documentos budistas tradicionais consagrados, cujas orientações têm sido observados por milênios. Desde o ponto de vista de uma realização interior/espiritual, a desconsideração dos ensinamentos tradicionais pode implicar reduções e regressões, passíveis de conduzir, inclusive, conforme a conduta pessoal, aos estados inferiores - o fato é que os ensinamentos tradicionais não foram repassados objetivando meras imposições culturais ou morais.
Entretanto, há sanghas no Ocidente e no Oriente validando posições nesse vetor ou diapasão - o Vinaya e o Samaya são antiquados para os novos tempos. Em continuação, não se trata de meramente condenar essa ou aquela conduta de "A", "B" ou "C" ou de pregar alguma forma de moralismo; até porque - e dado importante para formar uma compreensão - é necessário recordar que, do ponto de vista do Buddhadharma - e do Hinduísmo -, as situações humanas que se nos apresentam são resultado do karma.
Todavia, hoje nós temos uma configuração cultural diferenciada dos referenciais tradicionais; e eis que essa nova configuração cultural é uma construção que não possui qualquer conexão, correlação ou vínculo com buscas humanas por iluminação e/ou elevações - e isto justamente porque tais buscas por elevação-iluminação das civilizações tradicionais nos remeteriam de volta a posições que hoje se encontram, nalguns núcleos, impugnadas ou tachadas como 'antiquadas'.
Na prática, as pessoas escolhem como querem viver suas vidas, mas a responsabilidade do que eu escolho/decido para a minha própria vida é exclusivamente minha. Se não localizo ou identifico dentro de mim nenhuma afinidade com os requerimentos para uma vida baseada em valores espirituais ou metafísicos nem em engajar-me por erigir uma construção interior/espiritual, nesses moldes ou parâmetros, não há necessidade de forçar ou distorcer o Buddhadharma - ou as demais tradições espirituais – por causa disto. Impor àqueles engajados nas tradições espirituais tal posição - correspondendo as tradições espirituais a conjuntos de uma sabedoria milenar -, trata-se de um capricho, em si, doentio, já que eu posso, simplesmente, viver a minha própria vida a meu modo diferenciado, juntamente com pessoas com adesão semelhante à minha, sem perturbar quem não concorda ou tem uma posição distinta da minha, sendo desnecessário forçar os outros ao meu ponto de vista quando ele não é fundamentado ou convicente.
- também budistas praticantes que, no seu quadro de referências/valores pessoais preservam a adesão a posições não formuladas pelo Buddhadharma - como o Feminismo, por exemplo - e mantêm, mesmo sendo praticantes de uma tradição espiritual, a continuidade com esses referenciais propriamente modernistas.
No caso do Feminismo, eis que não só o Buddhadharma, mas as tradições espirituais como um todo, encaram homem/masculino e mulher/feminino desde uma perspectiva que é metafísico-espiritual. O caminho dos Arhants, no Budismo inicial, por exemplo - haja vista a envergadura da alteração interior requerida à natureza feminina para se adequar à via dos Arhants, - é sacrificoso para a natureza feminina, sendo o Mahayana e o Vajrayana um endereçamento melhor para as vocações femininas; entretanto, a via dos sramanas/ascetas, não consistiu em impedimento para o desenvolvimento espiritual das mulheres: as bikshunis são heroínas do Dharma. Deve ser observado ainda que, no caso do Vajrayana, uma das quebras de voto do Samaya é menosprezar as mulheres [*].
[nota: Dentro de uma tradição espiritual objetivando a iluminação/verdade final, o discurso feminista moderno - particularmente aquele desenvolvido a partir dos anos 60 - é como um corpo estranho, um gênio mundano, um desvio de assunto, pois nós, no caso do Buddhadharma, homens e mulheres, como sangha, devemos lutar por um propósito não-mundano, superior. Não vou deixar de respeitar - e honrar - um preceptor/professor (ou mesmo um estudioso/erudito) porque se trata de uma mulher -; se a objetividade é o que nós procuramos, isto não faz sentido nenhum.
A característica de algumas posições modernistas é o seu mundanismo e o seu materialismo.
Há incompatibilidade entre a maneira de encarar as noções de gênero proposta pelo Feminismo (as quais são substancialistas, egotistas e culturalistas) e as doutrinas metafísicas do Pratityasamutpada/Originação dependente e do Anatman/não-eu, não estando ambas as elaborações no mesmo nível de análise/verificação (ver o post, aqui no site-blog: "Gênero e Metafísica Budista").
Vale lembrar que as primeiras monjas budistas reivindicaram "admissão na vida santa" ao Buddha Shakyamuni por motivos espirituais, não sócio-culturais ou o que mais o valha...
Daí vem uma questão crucial: as mulheres modernas/modernizadas estão numa posição melhor ou superior àquela das mulheres tradicionais? (me refiro, por "tradição", às tradições espirituais); ou a perspectiva moderna/pós-moderna é melhor para as mulheres, pois mais "liberadora" (ou menos restritiva)?
Com efeito a mulher modernizada tem um campo de escolhas associado a determinados relatórios culturais que faculta a exploração de certas possibilidades, as quais, do ponto de vista dos relatórios budistas, significam um afastamento da posição que viabiliza as possibilidades vinculadas àquilo que, englobando, inclusive, todas as tradições espirituais, é chamado Lei Eterna/Sanatana Dharma ou ainda, no caso específico do Budismo, Buddhadharma. A liberação que o Buddhadharma e as grandes tradiçoes espirituais postulam é interior-espiritual no sentido da Verdadeira Face (para o Budismo, passando pelas Quatro Nobres Verdades, a compreensão adequada dos ensinamentos sobre Anatman/Não-Eu e Pratityasamutpada/Originação Dependente) e da Kaivalya ou Moksha (Liberação)...
Desconsiderando algum predomínio masculino que possa ter prevalecido e que ainda subsista na Tradição, - entretanto, não há homens sem mães, não há homens sem mulheres, nem virilidade plena sem feminilidade e, ainda, rastreando a situação de cada gênero nas tradições espirituais patriarcais, certos resultados se formaram em decorrência de situações como o envolvimento masculino em atividades como a guerra Então, o que na mulher tradicional pode ser uma condição ou resultado superior e compensar o abrir mão de certas possibilidades no envolvimento com as posições culturais modernas/pós-modernas?
Uma dignidade que vem de dentro para fora, uma comunhão com um valor que não é mundano nem uma mera reação a processos culturais, mas oriundo de uma construção interior/espiritual, como eu, pessoalmente, percebo nas mulheres budistas, nas hinduístas, nas minhas amigas católicas praticantes, nas mulheres judias... as essências espirituais estão disponíveis a todos, porém o suporte (e adesão a) de um corpo de doutrinas e conhecimentos metafísico/éticos é necessário (além da transmissão).
Se a modernidade/pós-modernidade reivindica 'liberdade' e 'novos rumos', na Tradição continuamos objetivando uma Liberdade Interior não apenas em relação ao mundo mas também em relação ao 'eu' (isto é, vivenciar a nossa verdadeira face, a nossa verdadeira natureza interior/espiritual). Não é possível chegar a tal construção com convicções nihilistas.
No final, eu não sou contra nenhuma reivindicação que comprove a sua legitimidade, que comprove ser justa ou ainda que, ao menos, comprove a sua legitimidade em algum nível - por exemplo ao nível da lei (e da vida) civil.
Nem, por exemplo, causas envolvendo reivindicações de direitos legítimos das mulheres, dos homossexuais nem causas abrangendo reivindicações ecológicas.
Todavia, em relação, aos "ismos" (por exemplo: Feminismo, Gayzismo e/ou Ambientalismo), não é adequado nem prudente, meramente, 'pegar o bonde andando' e ir, simplesmente, 'concordando e abraçando as coisas', como se os postulados fossem 'pacíficos e autoevidentes' - os debates culturais hodiernos são fortemente politizados e com atuações militantes; não se tratam de debates filosóficos normais ou de meras 'divergências de opinião'.
Correta a posição que procura verificar as fontes, as intenções e os motivos (intenções/motivos reais, não meramente aqueles oficiais/propagandísticos ou para divulgação pública/popular), as nascentes e derivações destas - e de quaisquer outras - posições; correta a postura que procura verificar a veracidade de uma posição: se há idoneidade por parte dos indivíduos envolvidos num determinado projeto/bandeira ou astúcias/malícias, falácias, mentiras e falcatruas. É necessário verificar, também: os pontos de vista contrários/discordantes, as objeções e ressalvas, os pontos de vista convergentes, a posição e testemunhos de dissidentes/ex-militantes e por aí vai...
Simplesmente 'abraçar as coisas' ou se por a 'carregar o que está passando' (isto é: sendo divulgado) é uma postura na qual incorremos adentrar por uma comprometedora ingenuidade e cair numa armadilha...
Em continuação, essa de coisa de 'não aceitar críticas' (e inviabilizar, demonizar os debates normais), mesmo quando as críticas são fundamentadas em fatos... há algo de suspeito e errôneo neste andamento. Se eu tenho a verdade, se a posição da minha adesão é verdadeira... por que não me digno defendê-la ante contestações e pareceres divergentes/dissonantes? por que quero encerrar todo e qualquer debate sério? ]
Já tenho apontado no post “Em quê crêem os budistas? Não dualidade e os cristãos” a convergência do Budismo inicial e de desenvolvimentos do Budismo Mahayana com a contrapartida da Tradição Védica, isto é: a coadjuvação de deuses do panteão hindú em desenvolvimentos da sabedoria e metafísica budistas, a saber: Brahma, Indra (Sakra, páli: Sakka), Prajapahti e Yama, além dos Yakshas (amigos do Buddha – como Digha -, outros yakshas tentaram estorvar o caminho do Buddha), Nagas e Devattas (deidades diversas) bem como Mara, o Maligno (Ahi Vitra Namuci dos Vedas, “vencido por Indra e Agni-Brhaspati, porém, jamais morto”...); consta também, no Jataka, que Shakyamuni, num de seus nascimentos, foi um Brahma. No Mahayana aparecem Mahakala (Shiva=Bhairava=Mahadeva), Tara (Tara devi/Durga devi/Nilasaraswati devi), além de Kali (Palden Lhamo/Mahakali), Vinayaka (Ganesha) e Uma (Uma devi). Naquele post tenho apontado, também, que o Budismo não refuta nem descarta a informação espiritual oriunda da tradição hindú – por exemplo: aquela contida nos Puranas; antes confirma tal informação, tendo desenvolvido um corpo doutrinal se valendo da absorção/assimilação também da mesma.
Observe-se que a convergência do Buddhadharma com a Tradição Védica é em relação à sua contrapartida - e não propriamente com o seu desdobramento cultural/exterior, com o qual o Buddhadharma haveria de disputar e, em muitas oportunidades, sobrepujar, angariando conversões e a expansão do Buddhadharma em território propriamente indiano -, no êxito e expansão do Buddhadharma na sua nação de origem.
Há também a convergência do Vajrayana não apenas com a contrapartida da Tradição Shaiva (ambas as tradições, em suas metafísicas, objetivam a realização do Nirvana, do Vazio/Shunya e da Clara Luz) – inclusos nessa relação, além de Mahakala e Vajrakilaya (Shiva=Bhairava=Mahadeva) e Tara (Tara devi/Durga devi), Vajrayogini, Nilasaraswati (Tara), Kurukulla (manifestação de Kali no tantrismo hindú, atribuída a Tara no Vajrayana), Vajrakhrodikali (a Irada Dakini Negra, Throma Nagmo, a Kali budista - Kala Bhairavi/Kala Shakti no Shaivismo), bem como Palden Lhamo (Mahakali) e Heruka (Rudra) [*], entre outros; mas em uma relação de proximidade efetiva, em diversos momentos, das duas tradições, situação que se mantém no Nepal, onde shaivas e budistas se visitam mutuamente e, não obstante, em território hindú, alguma diferença que possa ter ocorrido, historicamente, entre o Vajrayana e algumas escolas shaivas. Deve ser lembrado ainda que Kali (Mahakali/Palden Lhamo), Yama e Mahakala são bodhisattvas dharmapalas (protetores, guardiães do Dharma).
Vou desenvolver neste post, então, um pouco do que considero o neobudismo ocidental e que pode, desviando, conduzir os budistas a uma situação não apenas dissonante, ms com resultado diferenciado - em outro nível, que não o metafísico tradicional. Já que, do ponto de vista do Buddhadharma, erros e desvios doutrinais/espirituais têm custos - a nível espiritual ou kármico.
[Nota: a relação de correspondência a que me refiro é Heruka-Rudra deva (a poderosa manifestação de Shiva), uma vez que na tradição vajrayana tibetana o termo “rudra” equivale (e designa) não a Rudra deva, mas, sim, a um andamento/direcionamento ruim no caminho Vajrayana, a uma falha e fracasso dos tântricos. Em termos hindús poderia se dizer que o que os tibetanos designam “rudra”, correponde, no Tantra hindú, a um resultado que podemos dizer, por ser falho e/ou fraturado, conduzente ao inferno Raurava. Raurava (serpentes) trata-se de um dos mundos infernais que tem a peculiaridade de absorver uma parte dos fracassados do Tantrismo. Outrossim, um Heruka Vajrayana é, por exemplo, Drukpa Kunley: um dos três Herukas/Loucos Divinos da tradição Drukpakagyu - uma ramificação da tradição Kagyu de Marpa, Milarepa e Gampopa. Em relação a Palden Lhamo/Shree Devi/Mahakali, há uma atribuição - por sinal a oficial - da Devi não a Kali devi mas a Saraswasti devi; já vi alguma documentação hindú/tibetana sobre o assunto mas ainda não cheguei aí... quando chegar, menciono aqui...] ...
- II -
CRÍTICA MODERNA COM VIÉS NIHILISTA - REDUÇÃO PSICOLOGISTA
Em linhas gerais, o Buddha Shakyamuni - fundador do Budismo -. nascido no nordeste da Índia, na cidade de Kapilavastu, na casta dos kshatryas, no clã da tribo dos Shakyas, como príncipe Siddhartha Gautama, praticou a religião regular de sua famíllia, qual seja: aquela vinculada à Tradição Védica, especificamente ao culto dos Yakshas e ao Agnihotra (ritual do Fogo). Antes de atingir o estado de Buddha, peregrinou por seis anos e tornou-se, primeiramente, um sramana (asceta renunciante), tendo estudado meditação com dois professores hindús de meditação notáveis e respeitados de sua época, a saber: Udrakka Ramaputra e Alara Kalama [*]. Após o período com Udrakka Ramaputra e Alara Kalama, praticou ascetismo juntamente com cinco ascetas (sramanas) no Bosque das Gazelas. Compreendeu que o ascetismo extremado não conduz o buscador a um resultado espiritual, primeiramente - e antes de tudo – objetivo, nem, tampouco, equilibrado. Atingiu o estado de Buddha meditando sob a árvore Bodhi e, verificando o resultado de seu descobrimento interior/espiritual, o agora Buddha Shakyamuni decidiu viver em silêncio, como sramana retirado do mundo, na bem aventurança de sua própria realização. Todavia, o deus hindú Brahma interveio, instando Shakyamuni que: “-O Dharma pregado na região de Maghada é uma doutrina impura, predicada por pecadores...”(Samyutta Nikaya VI-1 [**]), ou seja, naquele momento a religião, na região em que vivia o Buddha, passava por uma situação de declínio e mesmo obscuridade (diversas doutrinas/visões errôneas e diversos buscadores presos ao materialismo espiritual - a noção egóica -, conforme narrativas detalhadas contidas nas escrituras budistas primitivas - ver em Digha Nikaya 2: "Os seis mestres do erro"), todavia Brahma asseverou ao Buddha que havia alguns buscadores capazes de assimilar e compreender o ensinamento e alcançar a iluminação; assim, instado por Brahma, o Tathagata decidiu anunciar o Dharma aos que estivessem aptos a recebê-lo - o que para o Budismo significa o "Primeiro Giro da Roda do Dharma".
[Nota:
(*) não há exagero em afirmar que Udrakka Ramaputra e Alara Kalama foram “professores hindús notáveis de meditação de sua época”. Do ponto de vista do ensino budista – os 31 planos de existência – tanto Uddrakka quanto Kalama atingiram resultados correspondentes a estados superiores sem retorno ao domínio da existência cíclica - condição de anagamins, sejam eles santos ascetas sejam santos bodhisattvas- , restando a consecução do buddhato (estado de Buddha) ou libertação final. Foram os dois primeiros a quem o Buddha Shakyamuni desejou transmitir o Buddhadharma, porém, quando da iluminação do Buddha, ambos os professores eram já falecidos.
(**) em "A vida do Buddha". Essa tradução é antiga e oriunda da obra de divulgação da Pali Society inglesa, traduzida do páli por Rhys Davids. Foi o primeiro livro budista que eu li e aprecio a redação brasilera].
Me pergunto a mim mesmo por que esses eventos da vida do Buddha Shakyamuni jamais foram refutados pelos budistas tradicionais indianos, chineses, tibetanos, japoneses, sulasiáticos (metafísicos não-duais e, por formação e estrutura, sábios criteriosos, conscienciosos e objetivos)?
Afinal, era só riscar/omitir essas passagens das escrituras ou ainda alterá-las/revisá-las.
No que poderia, doutrinalmente, interessar relatórios sobre alguma interação do Tathagatha com o Indra, Yama, alguns Yakshas ou com Brahma? - este último o exorta a pregar seu descobrimento interior/espiritual quando o Buddha tinha optado pelo retiro e o silêncio (ver Samyutta Nikaya 6, v. 1/Brahmayacana sutta).
Ou se os deuses hindús sentem contentamento com o surgimento de um buddha?
Lembremos que o Buddha é o Vitorioso sobre Mara (o Maligno) e sobre a Ignorância (Avidya)... Aquele que pôs fim, em si mesmo, à existência cíclica (o samsara)... E o mestre de homens e deuses (Devas)...
Que valor objetivo podem ter fatos não relacionados diretamente com a Iluminação?
Os fatos não diretamente, não exclusivamente, relacionados com a Iluminação são periféricos - mas do ponto de vista de uma exposição pautada na veracidade das coisas, têm a sua contribuição na construção budista, no caso, quanto à verificação da Samvritti Satya/Verdade Condicionada; dessarte, são, também, complementares.
“O que não pode ser historicamente comprovado compromete a clareza e a objetividade”.
Isto é uma posição objetiva ou uma tentativa de ser agradável a um determinado temperamento ocidental?
O Buddhadharma não é uma tradição espiritual baseada no nihilismo. Há mais perdas nesta posição crítica do que ganhos (na verdade, não há ganhos, mas redução). Saímos do Caminho do Meio para um desequilíbrio doutrinal. Por um lado, a Iluminação é o fato essencial, nuclear e imprescindível; por outro lado, não possuímos, em nós mesmos, suficiente ascese interior-espiritual para enxergar todos os fenômenos (os trinta e um planos da existência - seis deles sujeitos à lei do karma -, acerca dos quais, normalmente, enxergamos apenas os reinos humano e animal) descritos nas escrituras e documentos tracionais budistas - bem como em muitos Puranas hindús - acerca da Samvritti Satya/Verdade Condicionada e queremos interpretá-los como totalmente míticos e/ou psicológicos...
"-O senhor, realmente, estudou o Zen-budismo?".
Estudei e pratiquei (Soto-Zen) - mas há vinte anos atrás eu era apenas um jovem iniciante. Na verdade, nunca parei de estudar; entretanto, somente estudar os documentos zen-budistas corresponderá: 1) a uma erudição simplesmente ou 2) num resultado melhor, a uma Jnana (Conhecimento essencial dos fundamentos da Metafísica e Psicologia budistas - o qual não é apenas erudição - e dos documentos da Escola Ch'an chinesa derivada de Bodhidharma - escola Zen no Japão).
A Jnana é um requisito - auxiliando a compreender os fundamentos budistas (entre esses a Não-Dualidade, Vazio/Vacuidade, a Psicologia budista e a Iluminação); ela forma, juntamente com a Ética, o estofo, as fundações e colunas que uma construção budista hynayana ou mahayana, vajrayana ou zen-budista necessita, orientando, inclusive, a Prática budista (diria que a Jnana - para os budistas: 'Acumulações de Conhecimento' - nos conduz até a borda que deve ser percorrida pela Prática )- mas Jnana é um patamar necessário, não é, ainda, o objetivo final, o objetivo do Zen...
O ensino Zen, focando o Buddhato (estado de Buddha), foca, também, nessa perspectiva, a Paramartha Satya (Verdade absoluta, Transcendental ou Final). O Zen objetiva o fato em si da realização da Iluminação, para a consecução do qual é imprescindível Ética, Jnana e Prajna. Prajna - como esclarecido pelo Buddha Hui Neng (ver: "A doutrina Zen da não-mente" de D.T. Suzuki), é essencial ao objetivo da Iluminação; Prajna é adquirida pela Prática Espiritual ("Prajna é Dhyana [meditação-samadhi]; Dhyana é Prajna" - Buddha Hui Neng). E a Prática Espiritual budista - na maioria esmagadora dos casos - só é bem-sucedida estando devida e adequadamente estabelecidos Ética e Jnana - o estofo que, uma vez formado, faculta que atendamos à orientação do Buddha Hui Neng: focar, exclusivamente, em Dhyana e Prajna...
Nalguns redutos ocidentais, ensinamentos budistas sobre a Samvritti Satya (Verdade Condicionada ou Relativa) estão sendo 'desligados'; e casos há em que as informações da Samvritti Satya estão sendo substituídas pela alocação de formulações e posições nihilistas. Esse ponto de vista - desligar a Jnana relativa à Samvritti Satya para alocar em seu lugar posições nihilistas - não foi formulado por nenhum buddha ou bodhisattva - nem mesmo pelo Buddha Hui Neng; antes, trata-se de um modelo de crítica propriamente ocidental e, ainda assim, modernista - e que, se levado às suas últimas consequências, conduz ao nihilismo mesmo acerca da possibilidade da iluminação (o fato principal, nuclear da pesquisa e ascese budistas).
[Nota: Se o fanatismo religioso – bem como, também, a vigarice pseudo-religiosa - é uma doença a ser neutralizada; à sua vez, o nihilismo é bem recebido e acolhido no Ocidente moderno, embora não implicando em nenhuma melhoria interior/espiritual notável e, mesmo, implicando o contrário disto.
O Tao está no Caminho do Meio...
Uma das grandezas do Buddha Shakyamuni - e de outros buddhas - foi não nos ter repassado uma formulação doutrinal que habilitasse a inserção de posições nihilistas...
Por certo, porque o Buddha estava preocupado em descobrir a verdade - ao invés de, aproximando-se dela, mutilar o que não fosse de seu agrado pessoal/subjetivo.
Para aceitar, 'habilitar' referenciais em acordo com a sensibilidade de quem adere a posições nihilistas, os budistas teriam que fazer certas concessões, como algumas alterações/reduções exigidas por tal sensibilidade e lógica -, que implicariam abrir mão de orientações doutrinais e metafísicas milenares contidas nas escrituras...
Então, teríamos um Budismo, para alguns, mais “palatável”, pois “adaptado aos tempos de hoje e à verdade científica” - entretanto, menos metafísico (pessoalmente, não tenho nada contra a Ciência ou contra os esforços científicos, embora, assim me parece, a Ciência se dedique ao estudo de uma determinada gama de aspectos do Universo manifestado - moléculas, átomos, astros, galáxias, cálculos matemáticos, etc.). O "novo budismo" ou "neobudismo', então, seria algo isento de formulações consideradas ultrapassadas, mitológicas, religiosas e/ou desagradáveis - referentes à Verdade Condicionada ou Relativa (Samvritti Satya), entre essas, algumas verdades espirituais - que a adesão ao nihilismo não aceita e refuta - como, por exemplo, a existência de Terras Puras (Céus) e de Infernos – o que, de certa forma, no Ocidente, já é uma rejeição comum em relação ao âmbito judaico-cristão (rejeição - como 'histórias da Carochinha' para iludir ou assustar crianças - da possibilidade de Céu e Inferno).
Seria o Neobudismo, adaptado às exigências ocidentais nihilistas: sem Terras Puras (Sukhavati, Tushita, Paraíso das Dakinis, etc.) sem infernos (Samjiva, Mahatapana, Kala Sutra, Raurava, Samghata, Arbuda, Utpala, Avici, etc. - cf. Abhidharmakosa, cap.3, de Vasubandhu e Suhrlleka, versos 77-80 de Nagarjuna, também Majjhima Nikaya 129-130), nem demônios (as classes de Maras como rakshasas, bhutas, pisachas, etc.) e nem habitantes - condenados - dos infernos; sem pretas (fantasmas famintos), nem asuras (semi deuses) nem devas (seres celestiais/anjos e deuses)...
Afinal, tudo isto é ou “pura mitologia” ou formulações que devem ser interpretadas “estrita e exclusivamente a nível psicológico”.
Como se ter confiança nas informaçõpes acerca de Céus/Terras Puras e Infernos (e os seres naquelas possibilidades), a não ser pela boa fé nos ensinamentos dos Buddhas? Além da fé/confiança no ensinamento dos Buddhas, somente pela ascese interior-espiritual - a partir da qual podemos ter percepção e conhecimento direto dessas possibilidades... ]
Os budistas tradicionais dos três veículos (Hinayana, Mahayana e Vajrayana) não têm problemas com questões espirituais ou que, para a mentalidade modernista, demandam fé.
E, aliás, não dá para dizer que Nagarjuna e Asanga, Tilopa e Padma Sambhava, têm fé. Depreende-se de suas obras que eles possuem vivência - seja ela interior, intuitiva ou espiritual - das questões sobrenaturais referentes à Verdade Condicionada ou Relativa (Samvritti Satya) abordadas em suas obras.
A descrição budista dos Infernos e das Terras Puras (dezesseis infernos e incontáveis terras puras [*] não é apresentada como temas míticos - ou, como pretendem alguns, 'histórias da Carochinha' para iludir ou assustar.
O próprio Nagarjuna (Suhrllekha – “Carta a um amigo”), fazendo a descrição dos infernos, exorta a buscar os estados superiores/celestiais e a Libertação e, em continuação, a evitar os estados infernais/inferiores devido à restrição, privação e sofrimento que os mesmos implicam.
Por que LUTAR POR ou ainda, doutra parte, SE ESFORÇAR EM EVITAR algo que não existe?
Qual a finalidade de uma prevenção não-objetiva? Quê propósito teria tal conduta na "religião da paz interior, a qual é baseada numa aguda exatidão doutrinal"?
Do ponto de vista do Buddhadharma, Céu e Inferno existem desde a perspectiva da Samvritti Satya (verdade condicionada ou relativa) e são resultado das ações e da não-liberação da existência cíclica; Céu e inferno podem surgir aqui e agora, no curso das nossas vidas temporais e surgir também após a morte. Por que os budistas tradicionais nunca se preocuparam em modificar, corrigir/revisar, resumir ou mesmo refutar tais conteúdos? Somente os modernistas ocidentais...
[nota: as Terras Puras são reinos/paraísos búdicos - mas, também, no caso dos bodhisattvas, campos de Buddha (Vimalakirti Nirdesha sutra, cap. 1 - para cada bodhisattva que atinge o buddhato/Estado de Buddha, seu campo de Buddha se converte em Terra Pura; no Hinduísmo, cada rshi, santo ou yogue não apenas está conectado às linhagens, mas no processo que logra culminar em elevações, formam hostes e miríades).
As terras puras são, dessarte, incontáveis. Entre as mais conhecidas dos budistas estão aquelas derivadas das linhagens dos Buddhas: Sukhavati (Buddha Amitabha), Tushita (Buddha Maitreya), Kechara (Vajrayogini e Heruka), Zangdok Palri ("Palácio de Lótus" do buddha Padma Sambhava), Shamballa (Kalachakra), etc.]
Eu não discordo que os seis reinos sujeitos à existência cíclica - assim como o estado de Buddha - estão em nós mesmos.
Um homem ou mulher preocupados de fato com a possibilidade da iluminação, diligentes na prática, na doutrina e na discliplina estão formando o Buddha e o Nirvana dentro de si e, na sua regularidade e no resultado benigno ou exitoso da sua jornada espiritual, podem estar formando, também, Devas, Yakshas e suas hostes, estabelecendo um Campo de Buddha e/ou integrando uma das Terras Puras conforme sua linhagem (isto espontaneamente e no interím de uma situação de êxito em seu processo interior/espiritual). No contexto vaishnava, a Garuda está se formando dentro de nós; no contexto cristão o Menino Jesus; no Taoísta a Flor de Ouro e a Criança de Cristal.
Desde este ponto de vista, no nosso dia a dia, na forma como escolhemos viver as nossas vidas, as nossa decisões, as nossas ações, os nossos valores éticos, o nosso recurso pessoal/interior para ter uma visão de como pode ou deve ser a vida, o nosso êxito ou o nosso fracasso e escassez no que concerne ao interior/espiritual, os caminhos sinuosos/tortuosos ou ainda os rumos duvidosos e mesmo vis, doentios e tenebrosos a que resolvemos aderir, não apenas o Ceú/Terra Pura e o Inferno, devas e maras (bhutas, rakshsas, pisachas) estão sendo abrigados, estabelecidos e/ou formados em nós... mas também asuras, fantasmas famintos e animais podem estar abrigados e se desenvolvendo a partir do nosso interior, ser o karma que estamos gerando e desenvolvendo.
A redução psicologista:
1) não aceita que o karma gerado possua não apenas efeito nesta vida mas um resultado post mortem, no além (Estados superiores dos Devas; estados de restrição do Petraloka(Mundo dos fantasmas famintos) e dos Infernos,
2) Podemos, então, renascer somente como humanos ou, no máximo, como animais, mas não como um anjo, um fantasma faminto ou um demônio?
Por este andamento, o foco na Paramartha satya "desliga" ou "engole" a Samvritti satya, logrando passar, sem revisão, apenas o ensino do Alaya Vijnana...
[nota: "resultados post mortem, no além", se refere, especificamente, a resultados não apenas como humano, como ser celestial ou como demônio, mas em qualquer dos seis reinos sujeitos à existência cíclica; metafisicamente, tais renascimentos podem ocorrer se a ascensão/elevação a estados sem retorno ou a liberação/iluminação não for atingida...]
O Buddha Maha Maudgalyayana (páli: Maha Moggallana) num de seus nascimentos foi um Mara – um demônio (cf. Majjhima Nikaya, 50) - e, no entanto, há quem afirme existir apenas homens e animais - todo o resto é psicológico.
Eu não duvido que um demônio ou um fantasma faminto sejam resultado dos “venenos da mente”; mas vale ressalvar que aqui estamos tratando não do que o nihilismo pode considerar ou reputar como uma formulação equivocada ou mesmo uma falha cognitiva – e, destarte, de uma mera projeção psicológica baseada em crenças religiosas – antes, porém, da correlação Mente/Karma: justamente os venenos da mente propiciam o karma que gera demônios e fantasmas famintos, entre outras situações (as quais podem ser aflitivas ou não)... Um Asura [*] atingiu, no seu melhor resultado, um estado próximo ao dos Devas; conquanto numa posição privilegiada, há, porém, na condição de Asura, algum desvio da Sabedoria quanto à possibilidade de uma melhor Elevação e da Iluminação.
Resta saber, então, que sabedoria ou posição preferimos acolher e aderir: a tradicional ou a eivada de nihilismo... invariavelmente estaremos em uma ou em outra... e colheremos os frutos dessa escolha...
[nota: doutrinalmente os Asuras são indicados como inimigos dos Devas (como, por exemplo, Indra); os Asuras são retratados como eivados de inveja em relação aos Devas e contenciosos e conspiradores contra as hostes celestiais; também procuram praticar austeridades e adquirir conhecimentos especiais e segredos, porém, casos há, apenas no intuito de aumentar seus poderes psíquicos. Enquanto Indra - regente das hostes celestiais - se dirige a Shri Vishnu ou, em certos casos, ao Buddha, os Asuras tendem a procurar imdependência e autonomia.
Usarei a distinção entre posicionamentos que buscam as vias iluminativas - e por isso têm um compromisso ético (com a Luz) - e posicionamentos que desviam ou se distraem da preocupação com a Iluminação (e com a posição ética que a mesma requer) por desenvolver uma cultura preocupada com outras aquisições - por exemplo: de poder e vantagens pessoais.
Em termos ocidentais, os Asuras, na sua independência prometéica, são concorrentes ou inimigos dos Anjos e Arcanjos, tendo formado uma cultura com andamentos e reinado próprios.
A característica dos Asuras é trabalhar, então, com o que é luz - mas a concorrência com os Devas lhes acarreta comprometimento e os coloca num patamar abaixo destes. Nas vias iluminativas há um padrão ético - o qual lhes é intrínseco, compondo seu alicerce e fundações -, que não pode ser negligenciado. Na medida em que este padrão não é observado, tais recuos se transformam em restrições - não obstante as consecuções que possamos obter como conhecimentos especiais e poderes psíquicos.
Os Asuras, na sua regra normal, também são divinos, mas incorrem regredir, por usar o que lhes pareça mais conveniente e não ter receio em explorar as trevas. Sendo como que a sombra dos Devas, o principal problema com os Asuras é ético.
E, com efeito, o antídoto para os Asuras é, realmente, simples: aderir - e por em prática - à ética das vias iluminativas... ]
As visões reducionistas/psicologistas têm sido aplicadas por alguns ocidentais à interpretação dos tradições orientais - em especial o Buddhadharma, o Tantra e o Taoísmo [*].
[nota: o Tantrismo, por exemplo, via espiritual entendida como não-dogmática – como se o Tantrismo carecesse de fundamentos doutrinais/espirituais e requerimentos admissionais (como o não admitr pessoas cruéis, impiedosas, autuadores gratuitos, retardados que não consideram devidamente as mulheres, retardadas que não consideram devidamente os homens, pervertidos, depravados ) – também é alvo de aplicações análogas, como a sua redução/restringimento, no Ocidente, a apenas Erotismo Sagrado - e mesmo assim, a grosso modo, "sexo tântrico" -, porém, sem o suporte de uma regularidade iniciática.
Ainda o Erotismo Sagrado, por este alinhamento, também é alvo de redução e rebaixamento ao mero uso de algumas técnicas a serem utilizadas por qualquer pessoa, sem observação dos critérios tântricos e, nalguns casos, com adição/inserção de elementos eróticos que o Tantra, tradicional e milenar, não agrega (o Tantra não é Kama Sutra nem pornografia, tampouco alguns resultados da sexual liberation ocidental ).
Temos a situação de pegar do Tantra somente aquilo que possa interessar, descartando a sua metafísica, por ser elaborada, sutil e refinada demais - como a do Shaivismo do Kashmir/Cashemira (Vasugupta, Abhinavagupta, Ksemaraja, etc.) - bem como, por ser a sua regularidade iniciática considerada exigente demais (isto se repete no Vajrayana , onde o requisito para a transmissão dos ritos é o treinamento adequado em metafísica e ética budistas, sendo perceptível um certo mal-estar, desaprovação e compaixão por parte dos preceptores tibetanos quando se fala em Tantra sem mencionar a importância da necessidade preliminar de treinamento nos ensinamentos metafísicos e éticos bem como práticas de purgação, limpeza/redução de impurezas mentais e karmicas).
Embora - onde os desvios e descartes não são demasiado exagerados - os resultados não sejam nulos (realmente não são nulos; eu, porém, não estou aqui para impor ou dizer o que as pessoas devem ou podem fazer; a meu ver, se as nossas decisões são bem fundamentadas, as nossas vidas podem ir num caminho melhor; cada qual, porém, é responsável por si e por suas decisões e ações...) tais resultados na "religião do sexo" (o neotantrismo) não são nem serão equivalentes àqueles viabilizados pelo Tantra na sua via tradicional e na integralidade dos seus meios - dentro da perspectiva NIRVANA-SHUNYA (VAZIO)- CLARA LUZ- BRAHMAN - e incluindo o Kundalini Yoga, posto que o Tantra trata-se de uma via iluminativa... ]
Lamentavelmente, mal essas tradições espirituais foram recebidas no Ocidente já estão sendo modificadas/alteradas e, infelizmente, reduzidas?
Não seria melhor desenvolver homens/mulheres sagrados (Taoísmo) e buddhas e bodhisattvas (Budismo), Viras/heróis e Divyas/Divinos (Tantra) primeiro? Alcançar primeiro os resultados respectivos do Taoísmo, do Buddhadharma e do Tantra?[*]
O problema é que, se começamos errado – aceitando erros, desvios e distorções doutrinais e espirituais – não só no Buddhadharma: no Taoísmo, no Shaiva Tantra, no Yoga, no Vedanta, no Vaishnavismo, no Cristianismo, no Judaísmo, no Islam... vai ser difícil chegar a um resultado benigno pois, na verdade, ao invés de luz o que plantamos é sofrimento para nós mesmos e, não raro, para os outros [*]. A meu ver, estando alguém vinculado a uma tradição espiritual, o resultado benigno é necessário... Viver nossas vidas pessoais honradamente, da melhor maneira que possamos - mesmo que nossas vidas pessoais não correspondam a um mar de rosas ou de felicidade temporal, tampouco a um equilíbrio incontestável, sem oscilações/ondulações nem desníveis -, e gerar, trazer luz para a vida cotidiana ...
[nota: os americanos, - especificamente as comunidades alternativas/esotéricas - almejaram o surgimento de um buddha americano – vide, por exemplo as empolgações do visionário New Age (e sinistro/mau conselheiro) Ken Wilber -, mas o resultado dos malucos praticantes de Kundalini Yoga e adeptos de desenvolvimentos mediúnicos ficou entre o decepcionante e o maléfico (forçando Ken Wilber a recuar e admitir falhas significativas - para alguns a queda vergonhosa de algumas divulgações ostensivas de Ken Wilber foi surpreendente; para os tradicionalistas e ortodoxos foi normal e consequente)...
Não basta ler/estudar os documentos tradicionais e sair praticando. Ou desviar de um início correto – uma regularidade normal e efetiva no Yoga, por exemplo - para uma continuidade duvidosa, movediça, tortuosa e/ou subjetiva. Não há como crescer com a Sabedoria e os conhecimentos das tradições espirituais sem transmissão, ortodoxia e regularidade...]
- III -
ANTITEÍSMO.
As tradições espirituais possuem, cada uma delas, o seu provimento doutrinal e espiritual e as suas peculiaridades; em decorrência disto, também a sua forma de avançar em direção a um objetivo espiritual.
A maneira de avançar no Shaiva Tantra obviamente que não é a mesma maneira do Cristianismo; porém nem uma nem outra são falsas mas, de fato, diferentes. Há, contudo, pontos de encontro simplesmente surpreendentes - como salientado por Hugh B. Urtban, no seu livro "Tantra: Sex, Secrecy, Politics, Enlightnment and Power" acerca de uma anotação de Sir John Woodroffe:
Longe de serem rituais depravados e licenciosos, as práticas dos Tantras são, para Woodroffe, não diferentes em essência dos rituais cristãos tradicionais. Não apenas Woodroffe deseja encontrar paralelos entre os Tantras e a Ciência Moderna, mas ele também parece ter um persistente desejo de encontrar paralelo [entre fundamentos dos ensinamentos tântricos] com as tradições da Igreja Católica.
Como cuidadosamente preservada, a antiga liturgia da igreja [a missa tradicional], Woodroffe sugere, que os Tantras tem preservado ao longo dos séculos, uma tradição ritual elaborada, cujo verdadeiro objetivo é, não para incitar os sentidos físicos, mas sim para despertar ideais espirituais mais elevados.
[nota: no Tantra há muiras escolas e muitas vias; poderemos encontrar a via totalmente despojada e sofrida de Kapalikas e Aghoris itinerantes, bem como a via dos dos Kaulas, dos Viras/Heróis, e dos Divyas/Divinos; para a Via dos Divya/divinos, por exemplo, penetrar a essência dos fundamentos metafísicos do Tantra é absolutamente necessário...]
Na passagem seguinte, bastante notável, Woodroffe vai ao ponto de comparar a liturgia católica, ponto por ponto, com um ritual tântrico, identificando elementos rituais específicos, com correspondente termos sânscritos:
"Então, como declarou o Concílio de Trento, a Igreja Católica, rica com as experiências de eras e vestida com seu esplendor, introduziu a bênção mística (mantra), incenso (dhupa), água (àcamana), luzes (dípa), sinos (ghaja), flores (puãpa), paramentos e toda a magnificência das cerimônias para excitar o espírito da religião para a contemplação dos profundos mistérios que eles revelam. Como são seus fiéis, a Igreja é composta tanto do corpo (deha) quanto de alma (àtma). Ele presta ao Senhor (Ishvara) dupla adoração, externa(bàhyapujà) e interna (mànasapujá), sendo essa última a oração (vandana), cheia de fé. Sir John Woodroffe
Desejar que as tradições espirituais fossem equivalentes no seu todo é querer demais, é não aceitar a realidade: as tradições espirituais se encontram por cima; do ponto de vista temporal e nas suas bases sem elevação elas podem inclusive, se contrapor umas às outras.
Qualquer aproximação entre as tradições espirituais é a partir do real, nunca do ideal ou do irreal. E, todavia, não estamos em universos/compartimentos fechados, estanques ou isolados; a visita oportuna – obviamente – dos tântricos para os cristãos pode ser benigna para os cristãos; assim também a visita oportuna dos cristãos pode ser benigna para os tântricos; e a visita oportuna dos teístas para os budistas - e vice-versa - pode ser benigna em si, para visitantes e visitados ...
Algumas colocações antiteístas parecem sugerir a impossiblidade de aproximação do teísmo com o Buddhadharma, repelindo a visita dos teístas, - o que além de ser lamentável (só a Igreja Católica recebeu, nas dependências das igrejas, o Theravada, o Zen e o Vajrayana além do Yoga) - carece de fundamentação espiritual e metafísica, pois, de fato, como supramencionado, as tradições espirituais se encontram por cima (observação não apenas minha, tampouco original, mas de muitos que se debruçaram a estudá-las). Assim como os ateus são benvindos à sala de meditação ou para – se quiserem – rezar conosco, igualmente o são os teístas (cristãos, judeus, shaivas, vaishnavas, islâmicos); tentar afastar ou restringir os teístas é qualquer coisa sem sentido e a sua visita pode ser benigna para os budistas.
Se eu tentasse, porém, demonstrar algumas analogias entre o Catolicismo e certas manifestações de Budismo Hinayana e Mahayana (já que os santos e místicos cristãos, também, foram ascetas)- os anti-teístas se apressariam a dizer - como sempre - que o Budismo “não crê em Deus” ou “não crê em um Deus Pessoal Criador”; os budistas ponderados me lembrariam que o desenvolvimento do ascetismo cristão e o do budista é diferente - de fato os Padres do Deserto, por exemplo, se retiraram do mundo para alcançar uma vida mais aprofundada em Cristo – e, pelos testemunhos documentados, alcançaram-na. Já os budistas se retiraram para, efetivamente, desenvolver, realizar os dhyanas (páli: jhanas) e insights respectivos - com vistas à Iluminação. Entretanto, deve ser salientado que, no contexto cristão, Cristo, através do Conhecimento Unitivo, é a Liberação/Kaivalya - a diferença, então, se existe, é menor do que podemos deduzir. Em continuação, a comparação correta entre a Trindade cristã e o Buddhadharma não deve se prender ao entorno teológico mas às contrapartidas: da perspectiva das contrapartidas, a correspondência correta é entre Trindade cristã e Trikaya budista.
A resposta - por ser resumida demais e se assemelhar a uma resposta nihilista (e, nestes termos, de certa forma ser uma “não-resposta”) - dos antiteístas é equivocada; esquecem ou negligenciam que o Catolicismo, diferentemente do Protestantismo, é uma tradição espiritual não apenas com um corpo de misticismo profundo mas com uma liturgia autêntica e eficaz .
[nota: embora relegada, a liturgia tadicional, pelo Concílio Vaticano II, o qual forçou a Igreja, como um todo, a encostar/abrir mão de uma de suas melhores possibilidades espirituais reais - a liturgia tradicional - , comprometendo a eficiência de uma tradição espiritual que tem como uma de suas bases/pilares, justamente o sacerdócio.
Com efeito, tendo abrido mão da liturgia tradicional, o Catolicismo atua, hoje, com uma possibilidade excelente a menos e os resultados, no que concerne à vida espiritual da Igreja, são, em muitos casos, simplesmente devastadores - já que a “nutrição” da liturgia tradicional fortalecia a Igreja... Quanto ao meu deslocamento pessoal da tradição cristã para a tradição budista, basicamente, em decorrência do falecimento do padre Joaquim, em cuja paróquia - igreja Nossa Senhora do Carmo - eu participava da missa tradicional, as pessoas que o sucederam entenderam por bem descontinuar a liturgia tradicional e aderir às diretrizes do Concílio Vaticano II, o que eu apenas tenho a lamentar (verdadeiramente uma porta que era benigna à Igreja foi fechada )- e no que não pareço ser o único: a frequência às missas da igreja decaiu brutalmente, se reduzindo a mui poucas pessoas, sendo que a maioria se deslocou para a missa da igreja do Mosteiro de São Bento... Não sou propriamente contra a nova missa (na verdade, participei da mesma muitas vezes); sou contrário à demissão da missa tradicional... ]
Já a resposta dos ponderados é razoável e busca fundamentação metafísica... porém fica sem formulação, em ambos os casos, a questão de o esforço espiritual cristão ter nos dado resultados efetivos, onde mesmo um Julius Evola [*]- insuspeito de ser “pró-cristão”-, por exemplo, admite - e valida - não apenas a mística profunda alemã e Meister Eckhart mas também São Boaventura (enquanto que Rene Guénon, por sua vez, valida também a liturgia tradicional e vê o Catolicismo Aprofundado não como parte do exoterismo cristão, mas como a tradição cristã - e, com efeito, razão assiste a Guénon: a possibilidade que falta ao Protestantismo - e o limita - não falta, todavia, ao Catolicismo - Jnana/Conhecimento - um corpo de doutrinas, transmissão oral e ensinamentos objetivando a ascese interior/espiritual - e Prajna/Sabedoria - a Bem Aventurada Virgem (traduzido em termos budistas: Tara ou Prajnaparamita)-, além do Catolicismo possuir regularidade com a Sucessão Apostólica e com a Igreja Primitiva/Concílios ecumênicos, devendo ser desconsideradas, nesse respeito, as impugnações dos protestantes cujas igrejas - no âmbito britânico por exemplo - foram fundadas pela nobreza/Estado em decorrência de conflitos de interesses específicos entre nobreza e clero católico ...).[*]
O fato é que o teísmo tradicional, como um todo – e, obviamente, numa situação de idoneidade, regularidade, ortodoxia, zêlo e empenho – é espiritualmente efetivo e eficiente.
Não apenas em relação ao Catolicismo, mas às outras tradições espirituais não-budistas, antes de invalidar ou abordar a formulação do outro como se a mesma não possuísse resultado válido, teríamos de ser capazes, efetivamente, de:
- localizar, identificar onde um santo, místico ou iluminado de outra tradição espiritual está, na sua realização interior/espiritual, em relação aos 31 planos da existência. Esta seria uma medida de aferição justa, válida, idônea. Talvez surpreendesse encontrar espirituais cristãos nos estados sem retorno, uma vez que uma das características marcantes do Cristianismo tradicional é justamente a absorção sem reservas em Cristo... As doutrinas budistas acerca dos bodhisattvas e arhants bem como das diversas classes de devas, assevera a possibilidade de elevação/ascese a estados com retorno e sem retorno, sendo o estado de Buddha a instância última...
Nesta mesma linha de compreensão, verifica-se a dificuldade de alguns em traduzir a tradição espiritual alheia. O que não espanta, haja vista ser perceptível, também, em alguns budistas, uma atitude refratária em relação ao Simbolismo tradicional. Tal rejeição ou descarte aumenta a dificuldade em traduzir a língua do outro. Asseverar a impossibilidade de qualquer aproximação comparativa entre o papel desempenhado por Mara no Buddhadharma e por Lúcifer no Cristianismo é contradizer ou ignorar o que informam as narrativas contidas nos documentos budistas e cristãos; no caso, eventualmente, pretender que a tradição cristã não possui validade objetiva ou ainda efetividade espiritual é algo destituído de fundamento e denota incompreensão do objeto.[*]
[nota: embora a Igreja não tenha preservado o padrão de eficiência - na sua vida espiritual - havido até a Idade Média e sofra, maiormente, com algumas das alterações promovidas pelo Concílio Vaticano II, as quais mutilaram, descontinuaram a instrumentação espiritual disponível aos católicos, equiparando a Igreja ao nível dos protestantes - ou seja, ao nível da via mística com Cristo, porém, sem aquelas posições tradicionais que facultam uma maior abertura ou aprofundamento na via unitiva em Cristo, bem como aprofundamento na compreensão do alcance espiritual da tradição cristã... ]
Se nos esforçarmos um pouco e buscarmos fontes confiáveis (e idôneas), podemos compreender melhor o mundo do outro e, inclusive, compreender a nós mesmos (verificar o motivo e a validade das nossas próprias aversões e desprezos). Seja como for, eis que cada tradição espiritual é, com efeito, uma tradução da possibilidade interior/espiritual; o seu melhor encontro é por cima; e compete a cada qual verificar, em si mesmo, qual tradução lhe casa melhor....O equívoco - espiritual e metafísico - é insistir em querer identificar a tradução cristã tradicional como não integrante das vias iluminativas, como não sendo uma parte da família...
O Buddha Shakyamuni, nascido e criado na Tradição Védica, e, ao que algumas evidências indicam, conhecedor da tradição tântrica, não impugnou-a mas, antes, impugnou erros doutrinais e espirituais; corrigiu brahmanes; refutou o dualismo não como um todo [*], mas no seu aspecto limitador e insuficiente para a pesquisa interior/espiritual profunda, radical (no sentido de se buscar a raiz das coisas) e, como já mencionado neste post, não tendo advogado, em tempo algum de sua jornada terrena, a abolição de nenhum culto, rito ou religião autênticos, verdadeiros, legítimos. Tampouco pregou o nihilismo – antes defendeu-se da acusação de difundí-lo tendo, também, refutado-o...
[nota: A questão Dualismo, Dualidade e Não-Dualidade envolve não apenas a questão de Verdade Última, mas também da vocação humana; não adianta repassar a perspectiva Não-Dual para quem não possui vocação ou aptidão para a mesma. Há a questão, também, que nem todos têm aptidão para Metafísica e Lógica, para apreender - intuitivamente e intelectualmente - , por exemplo, no âmbito do Buddhadharma, o Mahayanavimsaka ou o Mulamadhyamikarika, ambos de Nagarjuna. No entanto, uma base válida - e consistente - pode ser adquirida com os ensinamentos espirituais e éticos pronunciados por Nagarjuna na Ratnamala e na Surllekha - publicadas no Brasil como "Grinalda preciosa" (Rajaparikatha Ratnamala) e "Carta a um amigo" (Surllekha). A característica do Mahayana foi ampliar a abrangência do Buddhadharma, o qual realmente, pelos seus requerimentos iniciais, não se tratou de uma formulação que pudesse ser absorvida pelas massas. Todavia, as massas também precisam de "alimento', de oportunidade espiritual legítima, de possibilidades que viabilizem uma construção interior/espiritual verdadeira - um 'alimento' adequado à aptidão de cada qual, válido, efetivo e autêntico, pautado na veracidade... Ao final, Metafísica sem Ética - bem como Lógica (no âmbito das tradições espirituais) sem levar em conta Ensinamentos/Orientações doutrinais de ordem espiritual - podem resultar em desvio ou erro, fracasso ou colapso...]
- IV -
ATEÍSMO.
Muito do que eu poderia dizer sobre a relação Ateísmo/Buddhadharma, já o tenho feito no post “Em quê crêem os budistas? Não dualidade e os cristãos.”. Aqui, então, posso lançar somente alguns acréscimos, uma vez que se trata de questão doutrinal, podendo repetir-me um pouco. Destarte, peço desculpas se algum leitor, eventualmente, cansar com alguma reiteração minha.
Tendo convergência com a contrapartida da Tradição Védica, o Buddhadharma, entretanto, desde o seu início, evita a posição eternalista e a sua possibilidade com o dualismo. Daí o Não-Teísmo budista - em prol da posição Não-Dual, pela Paramartha Satya, a Realidade Última -, bem diferente do Ateísmo, o qual está fora do Caminho do Meio/Madhyamika [*].
[Nota: Caminho do Meio/Madhyamika. Nem Eternalismo - posição afirmando a eternidade do mundo e, portanto, a cisão não como desconhecimento/ignorância mas como uma condição de fato, um dualismo indissolúvel, inalterável e intransponível -; nem Nihilismo – a negação das possibilidades suprahumanas, infrahumanas e mesmo da Realidade Última (o Charvaka/Nastika hindú formulou esta posição). ]
O Buddhadharma, dado o seu caráter Não-Dual, tem a sua experiência objetivando a Realidade Última.
Enquanto o Buddhadharma enquadra, refuta e rejeita o dualismo – por insuficiência, parcialidade e limitação para a pesquisa interior/espiritual -, o Ateísmo ocidental, por exemplo, nega, ao menos na sua formulação linguística, a totalidade do Cristianismo - o valor do sacrifício vicário de Cristo, a possibilidade da existência dos anjos, dos demônios, do Empíreo (céu espiritual) e do Inferno, o Espírito Santo e a santidade dos santos, a possibilidade de salvação (traduzido em termos budistas: a possibilidade dos cristãos praticantes alcançarem uma Terra Pura ou Paraíso cristão) -, chegando a enxergar o Cristianismo como algo apenas útil, se muito, para “auxílio na formação moral das massas” e no cuidado com obras sociais ou de caridade; nos casos extremistas, a caracterizar o Cristianismo como “retrográdo” e mesmo “fraudulento” e “maléfico” descartando, nas suas considerações, qualquer resultado de ordem espiritual, mesmo aqueles efetivos, significativos que a tradição cristã possa ter trazido à humanidade, nos remetendo ao domínio meramente verbal, racional-discursivo, amputando considerações de ordem espiritual, mesmo aquelas com factualidade histórica, como por exemplo: a existência histórica de santos e místicos bem como das obras que acompanharam suas vidas; a ocorrência de milagres notórios como o da Dança do Sol, nas aparições da Bem Aventurada Virgem em Fátima/Portugal, evento testemunhado por cerca de 50 mil pessoas, etc.
Poderia ser suscitado se o Buddhadharma - o qual, em todas as suas escolas, afirma a Originação Dependente/Pratityasamutpada e o Caminho do Meio/Madhyamika - enquadrando tanto o Eternalismo quanto o Nihilismo - aceita, por exemplo, a divindade de Cristo.
Diria que o Buddhaharma vê Cristo como um Buddha e compreende que os cristãos tomam refúgio em Cristo - como, analogamente, os budistas mahayana tomam refúgio em Amithaba – inclusive aqui, levando-se em conta a distinção entre tariki (poder do outro – elevar-se através da transferência de mérito de Amithaba) e jiriki (poder próprio - elevar-se pela ascese pessoal/individual) – elaboração não contestada por nenhuma escola budista. Como já tenho observado, no caso, uma posição como a ateísta, do ponto de vista do Buddhadharma, trata-se de nihilismo, pois envolve, na sua posição mais extremada: A negação da possibilidade do resultado das ações aqui e post mortem/além, a negação da possibilidade de desenvolvimento espiritual através da ascese e da santidade (comum a todas as tradições espirituais), bem como a negação da existência de planos divinos/superiores (Paraísos, Terras Puras) e inferiores (Infernos, mundos de privação/restrição), a negação da possibilidade da iluminação e do Nirvana.
Poderia ser suscitada, também, a questão - relevante para os teístas - quanto ao Buddhadharma aceitar a existência ou não de um deus criador.
Por um lado, o Buddhadharma é uma tradição espiritual não-dual e focada na liberação e/ou iluminação - onde o estado de buddha é o estado final. Na visão não-dual o universo não tem princípio nem fim[*]. Por outro lado, uma parte importante do conjunto da informação espiritual desenvolvida pelo Buddhadharma é a mesma do Hinduísmo, não tendo havido, historicamente, contato ou encontro do Buddha com a tradição judaica e sendo sua vida anterior em cerca de 500 anos à vida histórica de Cristo. [*]. Vale lembrar que São Paulo, apóstolo, quis evangelizar na Ásia (no caso, na Pérsia e na Índia) “mas o Espírito Santo não lho permitiu...”. Livro de Athos, XVI-6. Verificando a documentação budista é improvável que o Buddha Shakyamuni – ou ainda outros buddhas como Nagarjuna, Asanga, Padma Sambhava, Amithaba, Tilopa, etc. - fosse infenso a Cristo ou o considerasse uma figura espiritual de menor importância. Nestes termos, do ponto de vista do Buddhadharma, Brahma é o deus criador; atentemos que, inclusive em relação à Originação Dependente - pois um budista, mesmo um estudante, pode, com propriedade, observar que: “os mundos provêm do karma”, - é necessário, porém, observar que dentro da concepção do karma a função de um Brahma - assim como a de um Indra, a de um Yama, etc - é fixa e consiste em criar mundos (e a Indra compete reger e coordenar as hostes celestiais; já a Yama, julgar retamente, idoneamente bem como conduzir os mortos ao seu quinhão justo). Inclusive o mundo em que estamos agora tem o nosso Brahma. E, também na informação espiritual atinente ao Buddhadharma, existem – como não poderia deixar de ser - incontáveis Brahmas: Brahmas de mil mundos, de cinco mil mundos, de dez mil mundos, de cem mil mundos... (cf. Majjhima Nikaya, 120).
[nota: Existem estudos acerca da possibilidade de Cristo ter-se deslocado ao Kashmir e entrado em contato com o Buddhadharma - e também de missionários enviados pelo rei budista Ashoka terem chegado não apenas à vizinha Pérsia mas ainda à Judéia e à Grécia - portanto haveria alguma influência de ensinos budistas em Jesus. Tais estudos são tentativas de alguma reconstituição histórica do que possa ter ocorrido de fato, porém ainda são necessárias mais evidências e elementos materiais/documentação que lastreiem essas considerações.]
Ainda, e por fim, do ponto do vista do Hinduísmo e do Buddhadharma, Cristo pode ser considerado, também, um Devaputra (filhos dos Devas, filho dos Céus, filho da Divindade), bem como Narayana (Hinduísmo) ou ainda - reiterando-me - um Buddha.
[Nota: no que concerne a divindades como Brahma e Yama, por exemplo, é necessário lembrar que há um corpo de doutrina interior (ou secreto) – acerca da Libertação – e que se encontra formulado, por exemplo, nas Upanishads (Brihad Aranyaka Upanishad, Chandogya Upanishad, Katha Upanishad, etc., sendo que Yama desempenha, ainda, papel relevante no Vajrayana). A exposição budista sobre os devas e sua natureza demonstra não apenas a posição espiritual dos devas (nos estados mais elevados/sutis dos 31 planos de existência) mas também o sofrimento das classes de devas que se encontram situados na roda do samsara (abarcando os seis planos sujeitos à existência cíclica, onde a roda permanece girando), não raro, em decorrência de distrações ou deslumbres com sua realeza ou ainda em decorrência do esgotamento de um karma que resultou num estado superior sujeito a retorno ...]
Concluindo, as objeções ou refutações do Buddhadharma acerca da posição Eternalista - na qual se pode encontrar uma parte substancial do posicionamento Teísta (embora os teístas, não necessariamente ou não na sua integralidade sejam dualistas) e mesmo o Sâmkhya de Kapila se baseiam em postulados metafísicos: shunyata/vacuidade, anithya/impermanência, anatman/não-eu, pratityasamutpada/originação dependente, paramartha satya/verdade absoluta ou suprema - e não na convergência com postulados materialistas ou nihilistas.
Pessoalmente, não tenho nada contra os ateus – nem que alguns deles procurem as tradições espirituais orientais (eles são benvindos). Tenho amigos ateus a alguns deles ssempre me a´presentam seus questionamentos. Eu também atormento meus amigos: explico que o ateísmo 'resseca' as pessoas...
- IV -
REENCARNAÇÃO e CARMA (subentendida a ideia de evolução espiritual).
A teoria difundida no Ocidente - divulgada por socialistas franceses (ao que tudo indica, com alguma formação esotérica ou ocultista) por volta do século XVIII e continuada a sua propagação por ocultistas e espiritualistas - chegando ao mundo budista suscitou a seguinte reflexão: Reencarnação (e a ideia subtendendida de evolução espiritual) ou Renascimento?
A ideia de alguém morrer e seu substrato pessoal/interior passar de um corpo para outro corpo bem como a ideia de que as almas evoluem espiritualmente dentro do karma (ou carma) é metafísica e espiritualmente sem fundamento, inconsistente e aprisionadora.
Do ponto de vista do Buddhadharna não há reencarnação no sentido biológico nem no sentido psíquico de uma substância interior passar de um corpo para outro corpo; o que existe é originação dependente. Então, o que renasce é um nome-forma devido, primeiramente, à identificação dos cinco skhandas (rupa: forma/corpo; vedana: sensações/sentimentos; samjna: percepções; samskara: formações mentais; e vijnana: consciência) ou agregados psicofísicos com um 'eu' permanente – nessa identicação a possibilidade do egotismo é corolário lógico, consequente e subsequente; em continuação, não se percebendo nem se verificando que os agregados psicofísicos não são nem isoladamente nem em conjunto um 'eu' permanente, substancial não é possível encerrar/neutralizar o renascimento; não é possível perceber, como no Sutra do Diamante (Vajrachedikka sutra) que: “o pensamento passado não se atinge... o pensamento futuro não se atinge... o pensamento presente não se atinge...”, dá-se o prosseguimento na existência cíclica, na roda do samsara, com coadjudivação do karma acumulado, gerado e/ou pendente - daí Nagarjuna exortar que as ações virtuosas e o desprendimento/desapego interior valem mais que as ação não-virtuosas e/ou egoístas (“Ratnamala", em português com o título “Grinalda Preciosa”). Um karma virtuoso associado à busca da verdade, vale mais que um karma virtuoso sem tal associação e busca; vale mais que um karma virtuoso associado a caminhos sem elevação, tortuosos ou espúrios; e vale mais que um karma aflitivo onde, estando o mesmo associado à busca da verdade, todavia haverão dificuldades, adversidades e restrições. Também um karma aflitivo nem sempre poderá significar superação efetiva mas, dependendo das condições, impedimentos e aflições de difícil ou dificílima transposição podem ocorrer e mesmo possibilidade de regressão (por regressão entenda-se: um recuo drástico no nível de consciência – que culmina num resultado interior/espiritual infeliz ou maléfico -, normalmente em decorrência de adesão a condutas ou posturas éticas mesquinhas, vis, miseráveis, torpes ou, ainda, por erros espirituais...). Essa posição budista traz à baila uma reflexão interessante: quantos de nós tocamos nossas vidas sem nenhuma preocupação de ordem interior/espiritual, sendo o universo/horizonte de atenções, perspectivas, ambições e preocupações apenas o pequenino mundo daquilo que nos concerne pessoalmente e a nível temporal ou mundano? Muitos, sem dúvida...
[nota: em relação ao 'eu' verdadeiro ou à verdadeira face a abordagem do Buddhadharma, por um lado é negativa, não postulando o Atman como no Vedanta, mas o Anatman/não-eu – entretanto, vale lembrar que o Atman é não-psicológico, também não é Ahamkara/sentido de individuação ou ego, não é Manas/função mental (mente ordinária, racional-discursiva) tampouco Buddhi/Intelecto nem samskaras (no Vedanta, Shaivismo e no Shâmkya impressões subconscientes) ou vasanas (tendências latentes/inclinações subconscientes decorrentes de samskaras), estando fora das categorias convencionais. Tampouco o Atman corresponde a pudgala ("pessoa") dos budistas da antiga escola desviada Pudgalavada - a qual trouxe uma elaboração que não converge nem com a budista nem com a vedântica. A abordagem budista é, por outro lado, neutra: Shunyata/vacuidade, portanto fruição sem cisão ou distinção sujeito-objeto nem conceituação. O Sutra do Nirvana formulou o eu-búdico enquanto que o Zen, através do buddha Hui Neng, a Natureza Própria. Seria o Atman não o refutado “Self” - nem tampouco o igualmente refutado “pudgala” (“pessoa”) dos budistas pudgalavadins (cf. Abhidharmakosha de Vasubandhu, cap.9) – mas a Natureza Própria? Alguns eruditos metafísicos como D. T. Suzuki e, na sua elaboração, Ananda K. Coomaraswamy entendem que sim; outros budistas individualmente também; não, porém, em suficiente número de estudiosos e praticantes para levar o tema à mesa e formar consenso nas comunidades budistas em geral...]
Tem-se ainda a questão do karma como “evolução espiritual' (ou, em português brasileiro, “carma” com 'c'). A ideia de evolução espiritual é infundada. Nas tradiçóes espirituais falamos em “ascese” como um desenvolvimento para culminar na Sabedoria (Prajna ou Sophia). A ideia de “evolução espiritual” implica que 'eu' vou crescer, 'eu' vou me aprimorar, 'eu' vou me desenvolver, 'eu' me tornarei ótimo ou melhor, 'eu' vou alcançar um estado elevado ou superior. A ideia de evolução espiritual já nasce falida e fadada ao fracasso; por uma lado ela é auto-engano pois materialismo espiritual puro [*].
Por outro lado, metafisicamente, espiritualmente … pode o karma livrar (ou sair) da sujeição à existência cíclica? Liberar da roda do samsara, do renascimento? Não pode... mesmo que as acumulações de mérito (obras) e conhecimento (ensinamentos verdadeiros) são excelentes, ainda assim elas são instrumentais... falta uma peça chave..
[nota: E rejeita o autoconhecimento - passo necessário para neutralizar o materialismo espiritual. Também, para não nos tornarmos visionários é necessário verificar qual a nossa vocação; e o que em nós, em nosso anseio por uma construção espiritual, extrapola da objetividade. Eu quero ser tântrico mas o Cristianismo é melhor para mim; quero ser teísta mas o Buddhadharma pode trazer um resultado melhor para a minha estrutura... Insisto na Bhakti Marga (via do Amor/Devoção) mas o Tantrismo é a saída que eu preciso; persevero no Esoterismo Ocidental mas a Bhakti Marga melhora a minha vida, libera a minha consciência... A ideia de evolução espiritual me traz avante um livro de Shri Nisargadatta Maharaj: “All search for hapiness is misery” (“Toda a busca por feliicidade é miséria”)... A busca sincera pela verdade parece trazer mais 'lucro'...saimos em busca de felicidade e, todavia, há um depósito dela, muitas vezes inexplorado, dentro de nós e que não depende de como é nossa vida exterior/temporal... ].
Por quê?
De acordo com os ensinamentos budistas e testemunhos documentados daqueles que alcançaram o estado de Buddha, sair da existência cíclica implica reconhecer a vacuidade dos skandhas/agregados psicofísicos e ter a visão interior (insight) da Natureza própria (cf. Hui Neng) ou Natureza Verdadeira, o que é facultado por Prajna (Sabedoria). O renascimento – e a ignorância – é eliminado por Prajna (Sabedoria), pela visão interior (insight) que reconhece simultaneamente a vacuidade dos agregados psicofísicos/skandhas e dos fenômenos/eventos (dharmas) bem como, concomitantemente, faculta a visão/surgimento de consciência da Natureza Própria.
Sem o Anatman ou sem o reconhecimento do Tao ou da natureza verdadeira ou ainda sem a recognição da mesma, ou, por outro lado, sem a destruição daquilo que não é nossa verdadeira natureza interior profunda/nuclear, a nossa verdadeira face, ou ainda sem o Atman... sem isto não há a vida espiritual que todos – engajados na meta de uma construção interior/espiritual autêntica ou não – precisamos...
- V -
MORALIDADE.
Quanto à questão da moralidade budista, remeto quem se interessar – e não tiver lido ainda – ao post “Moralidade cristã. Moralidade budista. Argumentação fraudulenta contra a moralidade religiosa.”. No website www.acessoaoinsight.net está disponível para download uma versão condensada do Vinaya, acompanhada da seguinte observação :
A tradição monástica e as regras sobre as quais ela se apóia são algumas vezes criticadas, em particular no Ocidente, como sendo irrelevantes para a prática “moderna” do Budismo. O Vinaya é visto como um retrocesso a um patriarcalismo arcaico, baseado numa confusão de regras e costumes arbitrários que apenas obscurecem a “verdadeira” essência da prática Budista. Essa abordagem estreita ignora um fato crucial: é graças à linhagem continua de monásticos que consistentemente mantiveram e protegeram as regras do Patimokkha por quase 2.600 anos que temos o luxo hoje de receber os inestimáveis ensinamentos do Dhamma. Se não fosse pelo Vinaya e por aqueles que continuam a mantê-lo vivo até mesmo hoje, não haveria Budismo.
Ajuda recordar que, ao longo de todo o Cânone em Pali, o Buda nunca se refere ao caminho espiritual que ele ensinou como simplesmente “Vipassana” ou “Atenção Plena” ou alguma outra coisa similar. Ao invés disso, ele o denomina "Dhamma-vinaya" - a Doutrina (Dhamma) e Disciplina (Vinaya) – sugerindo um corpo integrado de sabedoria e treinamento ético. Portanto o Vinaya é uma faceta indispensável e um fundamento de todos os ensinamentos do Buda, inseparável do Dhamma e digno de estudo por todos os discípulos – leigos e ordenados.
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2. Karanda Vyuha Sutra. Descida do Bodhisattva Avalokiteshvara ao Inferno Avici .
Pesquisando na web por alguns textos tradicionais budistas, esbarrei, no sítio www.sacredtexts.com, com este resumo do Karanda Vyuha Sutra, um documento mahayana sobre o nobre bodhisattva Avalokiteshvara, o filho do Buddha Amithaba, associado ao mantra Om Mani Padme Hum. O texto selecionado fala sobre a descida do bodhisattva ao Inferno Avici e, em continuação, sobre sua visita ao Pretalôka (Mundo dos pretas). As duas obras do Budismo Mahayana do norte da Índia mais conhecidas a respeito do Bodhisattva Avalokiteshvara são o Karanda Vyuha Sutra e o Saddharma Pundarika Sutra (O Sutra do Lótus da Boa Lei). O resumo do sutra e a comparação do mesmo com uma passagem do evangelho apócrifo de Nicodemus - a qual traduzi, mas não postei aqui – são trabalhos do erudito prof. Edward B. Cowell – M. A., Cambridge. O nobre bodhisattva Avalokiteshvara, como bodhisattva realizado no cumprimento pleno de seus votos e iluminado, encontra-se na condição potencial de vivenciar unicamente um último renascimento e realizar, no interím do mesmo, o buddhato (estado Buddha); todavia, Avalokiteshvara fez uma resolução/propósito de que “ele mesmo não deve compreender o conhecimento perfeito de um buddha, até que todos os seres tenham sido não apenas liberados da condenação, mas estabelecidos no mundo do Nirvana.” - (cf. último verso do resumo do sutra). O Prof. Cowell trouxe avante, ainda, a boa lembrança do capítulo 24 do sutra do Lótus: Avalokiteshvara também é representado como assumindo várias formas em diferentes mundos para proclamar a lei de Buddha a criaturas diferentes; para alguns, ele aparece sob a forma de um Buddha; a outros de um Bodhisattva, para outros de Brahmâ, Indra, Mahešwara ou mesmo de um Dharmaraja/monarca universal, um brâhmane ou um pišâcha, "a fim de ensinar a Lei para aqueles seres feitos para serem convertidos por esses respectivos professores", fez referência às similaridades notáveis entre o Karanda Vyuha sutra e a segunda parte do evangelho apócrifo de Nicodemus; a mim, me vem avante, em conformidade com o voto proferido pelo bodhisattva Avalokiteshvara, que ele, ao menos tecnicamente, só realiza o buddhato no fim do ciclo cósmico. O Sutra é narrado pelo Buddha Ananda ("Assim eu ouvi...") e tem como participantes o Buddha Shakyamuni e o nobre Bodhisattva Sarvanivaranavishkhambin, acerca do qual há um mantra, a ele dedicado, no Mahavairocana Sutra (Vairocana Bhisambodhi sutra) sendo que este bodhisatvva realizou plenamente o samadhi do Poder da Compaixão - tratando-se de um bodhisattva iluminado. Para aqueles que têm o Sutra do Lótus como referência para suas vidas espirituais, o bodhisattva é também o Buddha Avalokiteshvara...
A tradução para o português é minha – meu inglês parece não ser de todo mediano ou ruim quando lidando com temas tradicionais (os tradutores eletrônicos/on line nem sempre são eficientes, ajudam mesmo a agilizar a digitação). Minha vida material surrupia o tempo disponível que eu necessitaria para efetuar algumas correções, encontrando-me na situação de ter que priorizar possibilidades e agarrar-me ao que é essencial – para não comprometer nem perder a regularidade que já possuo, onde, por sinal, embora goste de estudar, foco a prática. Kaliputra. 31/03/2014.
KARANDA VYUHA SUTRA.
Capítulo I - O trabalho abre com a descrição de uma assembleia realizada no Jardim Jetavana de Šrâvastî, onde o Buddha é assistido por uma vasta multidão de bikshus/seguidores mendicantes, como também um público ainda mais numeroso do mundo espiritual, milhares de Bodhisattwas e filhos dos Devas, com Indra, Brahmâsahâmpati, Surya (sol), Chandra (a lua), Vayú (o vento), Varuna (mar), etc., à sua frente, e com incontáveis Nâgas, Gandharvas e Kinnaras, com suas filhas e Apsaras, além de centenas de milhares de upasakas/budistas leigos de ambos os sexos.
"Quando a vasta assembleia estava reunida, de repente feixes de luz irromperam no Inferno Avîchi; e, tendo irrompido eles alcançaram o Mosteiro de Jetavana e adornaram todo o lugar. Os pilares pareciam estar incrustados com gemas celestiais, as câmaras superiores estarem cobertas com ouro, as portas, escadas, etc., serem todas de ouro e os paços externos estarem cheios de árvores celestiais, com troncos de ouro e folhas de prata e penduradas com vestes caras, grinalda de pérolas, e todos os tipos de ornamentos, enquanto os olhos vagavam sobre lagos cheios de água e vários tipos de flores.
[Os prêtas são seres em estado de punição, e são descritos como sempre exaustos e em fome-permanente]
"Então o Bodhisatva Sarvanîvaranavishkambhin dirigiu-se ao Buda, 'Ó Abençoado, quais seres encontram-se no Avîchi? lá onde nenhuma alegria (vîchi) é conhecida, ele prega a lei? No Avîchi, cujo Reino de ferro rodeado por muralhas e fortificações é como se fosse uma chama ininterrupta, como um caixa de jóias reluzentes. Naquele inferno está um grande caldeirão de lamentações, onde miríades de seres são lançadas; assim como o feijão ou suor pulsam subindo e afundando em uma panela cheia de água fervente, assim estes seres suportam dor corpórea no Avîchi. Como, então, Ó Abençoado, o Bodhisattwa Avalokitešwara entra lá?'
Buda respondeu, ' Ó nobre jovem, apenas como um imperador entra em um jardim cheio de todas as coisas preciosas, atendido com toda sua pompa real, assim Avalokitešwara entra no inferno Avîchi. Mas seu corpo não sofre nenhuma mudança. Quando ele se aproxima do inferno, seu corpo torna-se fresco. Em seguida, os guardas de Yama, desorientados e alarmados, começam a pensar, 'o que é este sinal auspicioso que tem aparecido em Avîchi?'. Quando Avalokitešwara entra, em seguida, aparecem lá lótus abertos tão grandes como rodas de carruagem e o caldeirão de lamentações explode e dentro daquela cama de fogo manifesta-se um lago de mel.
Então os guardas de Yama, agarrando todos os tipos de armas, espadas, clavas, dardos, etc. e todos as armaduras defensivas do inferno, reparadas por Yama, o Senhor da Justiça, dirigiram-se a ele: 'Saiba nosso rei que nosso campo de ação está destruído e convertido em um lugar de prazer e cheio de toda a alegria.'
“Yama replicou: 'Por qual razão vosso campo de ação está destruído?'
"Os guardas responderam: ' Saiba nosso Senhor também que um sinal não-auspicioso apareceu em Avîchi, tudo tornou-se tranquilo e fresco e um homem assumindo todas as formas à vontade entrou lá, vestindo emaranhados cachos e um diadema e enfeitado com ornamentos divinos, com sua mente excessivamente benevolente e como uma orbe de ouro. Tal é o homem que entrou, e imediatamente na sua entrada lótus apareceram tão grandes quanto as rodas de uma carruagem, o caldeirão de lamentações explodiu e dentro daquela cama de fogo manifesta-se um lago de mel.' Então, Yama refletiu, ' de qual Deus é esta Majestade? De Mahêšwara, grande em poder, ou Nârâyana, adorado por cinco oceanos? Ou qualquer um dos outros filhos dos devas obteve por benefício tal recompensa proeminente e desceu a este lugar? ou algum Râkshasa surgiu, algum rival de Râvana?' Assim, ele ficou e ponderou e contemplando com seu olho divino não viu nenhum tal poder no mundo dos deuses, e quem quer que pudesse ter tal poder.
“Então, outra vez Yama olhou para trás, para o inferno Avichi e nisto ele contemplou o Bodhisattwa Avalokitešwara. Então Yama, o Senhor da Justiça, foi onde ele estava, e tendo saudado seus pés com sua cabeça começou a pronunciar seu louvor. “Glória a Ti, Avalokitešwara Maheshwara, Padmashri, o doador de bençãos, o subjugador, o melhor mirante da terra [i.e. de visão elevada], etc. Assim, tendo pronunciado este especial louvor, Yama três vezes circum-ambulou ao redor do Bodhisattwa e foi-se.
Capítulo III – "Sarvanîvaranavishkambhin assim dirigiu-se ao Buda, '-Quando o glorioso Bodhisattwa Avalokitešwara retorna?'; Buda respondeu: '-Nobre filho, ele já saiu do inferno Avichi e adentrou a cidade das pretas (fantasmas famintos). Lá centenas de milhares de pretas correm ante ele, com formas como as de pilares queimados, altura como a de esqueletos, com barrigas como montanhas e bocas como olhos de agulhas. Quando Avalôkitešwara vem para a cidade dos pretas, a cidade torna-se fria, o trovão cessa e o porteiro, com o dardo erguido, sua mão ocupada com veneno e seus olhos vermelhos de raiva, de repente, pelo poder do Bodhisattwa começa a sentir a influência da benevolência; dizendo: 'eu não devo ter que fazer com esse campo de trabalho.'
"Então o Bodhisattwa Avalôkitešwara tendo contemplado aquela moradia dos seres, estando cheio de compaixão, causou dez rios Vaitaranî para emitirem de seus dez dedos e mais dez da ponta dos dedos dos pés; e da mesma forma, em sua grande compaixão, rios de água verteram de todos os seus poros até aqueles seres aflitos. E quando os pretas provaram aquela água, suas gargantas tornaram-se expandidas e seus membros cheios e eles estavam saciados com uma comida de um sabor celestial. Em seguida, recuperando a consciência humana, eles começam a pensar em coisas mundanas. ' Ai de mim. Felizes são os homens de Jambudwîpa que podem procurar sombra fresca, que podem viver sempre perto de seus pais e esposas; que podem cortar os bastões sagrados e reparar os mosteiros quebrados e decadentes e os topos despedaçados; que sempre podem esperar quem recite, escreva ou leia os livros sagrados e contemplar os milagres e vários obras maravilhosas dos Tathâgatas, Pratyeka-buddhas, Arhats e Bodhisattwas.
"Assim meditando, eles abandonaram seus corpos preta de punição e tornaram-se capazes de atingir seus desejos. Em seguida, de Avalôkitešwara emitiu-se ali o Sûtra Real Precioso da 'Grande Tradução, o Karanda Vyûha. Então, tendo rompido a montanha dos 20 picos da ilusão que ensina que o corpo existe, com o trovão do conhecimento [10] eles nasceram no mundo Sukhâvatî como Bodhisattwas chamados Âkânkshita-mukhâh. Em seguida, Avalôkitešwara, quando estes seres foram liberados e nascidos na terra de Bodhisattwas, saiu outra vez da cidade das pretas.
Capítulo IV.--",Então, Sarvanîvaranavishkambhin disse ao Buda, '”Avalôkitešwara ainda demora a vir?' ; Buda respondeu, 'Nobre filho, ele está amadurecendo a experiência de muitos milhares de miríades de seres; dia-a-dia ele vem e amadurece-os, nunca houve tal manifestação de Tathâgatas como há a do glorioso Bodhisattwa Avalôkitešwara.'"
Buda então descreve uma assembléia realizada em um antigo æon por um Buda chamado Sikhin, que vê Avalôkitešwara vindo a ele com um presente de flores celestiais de Amitâbha. O Buda Sikhin pergunta onde ele está efetuando suas obras de mérito. Avalôkitešwara responde que ele está visitando os infernos inumeráveis no universo, e que ele resolveu que ele mesmo não deve compreender o conhecimento perfeito de um Buda até que todos os seres tenham sido não apenas liberados da condenação, mas estabelecidos no mundo do Nirvâna.
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